quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

# um particular dia da criação

 
O mundo parou.
 
Por um longo instante de vários dias o mundo pareceu-me parado, suspenso.
 
Ao menos em câmera lenta, nele eu levitava.
 
E nele via a vida, e nela tudo não acontecendo, tudo em silência, tudo bisextamente congelado.
 
À mente, em movimento, vinha apenas a realidade passada, do que fomos e fizemos, e a futura, do que seremos e faremos, enquanto todo o presente insistia em permanecer em seu plano quase surreal.
 
Da conjugação entre o nosso desejo familiar-cristão-civilizacional e a sanha imperativa cromossômica, eis que se conformam os aromas de mais elevados sentimentos e matizes e os acordes de mais profundo lirismo e transcendência poética, para, assim, do dia para a noite, chegar a grande boa nova que modifica para sempre as nossas vidas.
 
Foi o nosso dia da (nossa) criação.
 
Daquele momento em diante – ainda que o nascimento pré-entreluz tenha se dado há quatro ou cinco semanas –, o que estava no plano hipotético do planejar e do querer concretizou-se na forma de um vivo projeto de microscópico ser.
 
Na verdade, nessa ainda transição de pulsante energia humana para uma ultraminúscula gente, maior que o júbilo é o caráter fantástico do acontecimento, afinal, mais difícil que conhecer a conformação físico-químico-biológica de todo este nosso desenvolvimento celular, é saber responder de qual plano viemos e do que será imaterialmente formado.
 
Sim, não será um mero mini-mim.
 
Com essa descoberta, um misto da prova genética e fabulosa de Deus, colocamos em marcha um (fiapo de) sentido que a todo instante ameaçará transformar o conjunto desgarrado – e por vezes sem nexo – de episódios a que chamamos "vida" numa narrativa, se não entendível, ao menos finalística.
 
Parece-me que é apenas de agora em diante, embora ainda com ares metafísicos, que passaremos a compreendê-la.
 
Fora dele, já começamos a ter a impressão de que tudo fora dessa nova vida dispõe do peso necessário para ser importante.
 
A nossa própria existência, inclusive, parece pulverizar-se e desatar da gravidade, tudo em prol da maravilhosa epopeia do proto-crescimento que, ao final, em seu estágio já pleno, deverá nos mostrar não sermos aquele que criamos, mas apenas nele estarmos e na vida dele nos reconhecermos.
 
Sim, esta é a razão da nossa multiplicação.
 
Neste nosso caso, saber que o amor humano – em todas as suas faces e, em especial, nas suas vindouras doses de afeto, zelo, doação, privação... – materializa-se na forma de um novo ser humano, faz-nos ter a complexa e dogmaticamente auto-explicativa certeza do divino poder da criação, pelo qual Ele, com a nossa constante contribuição, é capaz de nos deixar, em franco processo de evolução, mais humanos, demasiadamente humanos.
 
Afinal, ainda que não saibamos o que encontraremos neste nosso novo caminho, infinitamente marcado por incertezas, dúvidas e surpresas, a relação que teremos com a nova vida que estamos a gerar será, sempre, de absoluto amor e de incondicional atenção.
 
Tão certos quanto as plurimotivadas lágrimas, alegrias e emoções que doravante (não) haverei de conter.