quarta-feira, 13 de abril de 2022

# jair, um anticristo


A projeção do mal sobre um deus, um ser vivo ou um objeto é fenômeno recorrente na história da humanidade e ainda nos acompanha ao longo da existência, desde a bruxa malvada dos contos de fadas até as interpretações cinematográficas de personagens demoníacos.

Por isso, na semana mais importante e crucial do ano cristão, carregada de fascinantes simbolismos, é oportuno dizer: Jair dá forma humana ao mal, é um anticristo.

E, atenção, não digo isso como mera retórica, nem figura de linguagem, tão pouco, como precavia Hegel, um exagero no argumento que prejudica a causa. 

Logo, no seu mais relevante perfil escatológico, repito que Jair é um anticristo, talvez a forma da fôrma que, por certas horas, Deus considerou ter dado errado, como se diz no Gênesis ("e o Senhor arrepende-se de ter feito o homem na terra").

Não se trata, adiante-se, de se reconhecer as mais ou menos complexas circunstâncias sociais, políticas e morais responsáveis pela sua chegada ao poder, até porque há na história diversos animálculos cujas ideias, discursos e ações dignificam minimamente o ser humano; aqui, pois, diríamos que o minúsculo ser aparece com outra essência, como se adotasse a fantasia vermiforme para ocultar aquela imagem tão decantada pelo cristianismo: a besta chifrada.

Como se sabe, a figura do anticristo não é singular. 

Ela está em uma categoria de pessoas que se extasiam ao provocar a desgraça, o medo, a iniquidade, a coisificação e a desolação. 

O anticristo nega o Pai, o Filho e o espírito que era o Verbo e a Verdade, que sempre divinizou a vida, que ressignificou a paz, que enalteceu a partilha e o perdão, que pontificou a fraternidade e a igualdade, que engrandeceu a Terra e que priorizou pobres e marginalizados.

Cá entre nós, lutas contra anticristos fictícios, metafísicos ou de carne e osso são frequentes na história, desde priscas eras, opondo ao mal valores fundamentais como a paz e o amor. 

E hoje a figura do anticristo é a concretização da anticivilização. 

Como tal, é um contraponto a elementos – ideias, indivíduos, projetos – considerados absolutamente perversos, nocivos e disruptivos à sociedade, esteja ela em níveis maiores ou menores de ordem e de progresso.

Não por outra razão, o enquadramento moral e (sobre)natural de Jair como um anticristo poderia ser provado por inúmeros gestos e palavras, atos e omissões, no passado e no presente, de maior ou menor gravidade, de ampla ou restrita repercussão, nos mais diversos aspectos da nossa existência.

Jair é um anticristo porque despreza a vida. Ora, que outro sujeito estimula o contágio por um vírus pandêmico em tamanho grau? Quem caçoa o pesar e a tristeza pela perda de mais seiscentas mil pessoas, achando tudo irrelevante? Quem mais acredita no extermínio de diferentes como saída política e de paz social? Quem sacraliza a tortura, faz das prisões um altar e da violência miliciano-policial motivo de devoção? Quem faz com tanta graça e júbilo a apologia da barbárie e do horror cotidianos, como se numa roleta de bem-me-quer e malmequer?

Jair é um anticristo porque despreza a paz. Ora, quem usa armas como símbolo cotidiano, a todo instante trazendo falas e movimentos bélicos de ódio e guerra? Qual sujeito estimula a prática constante da violência, o uso amplo e irrestrito de armamentos e de todo um arsenal como sinal de vitória? Quem rotineiramente ousaria pegar na mão de crianças para fazer sinal de armas e tiros? Qual o indivíduo que gargalha o riso diabólico ao publicar suas taras com rifles, pistolas e quejandos? Quem fala em metralhar e fuzilar como se fossem verbos de uma gramática natural?

Jair é um anticristo porque despreza a compaixão. Afinal, quem mais encarna a crueldade no ato de, ao contrário, desdenhar do outro? Jair é incapaz de sofrer o sofrimento do outro, de se colocar na vida e realidade sofredora do outro, por qualquer que seja essa dor: a morte, a doença, a fome, o desabrigo, o desemprego... Assim, Jair não nutre qualquer "paixão com" o outro; ao contrário, goza da malignidade e da perversão em um dia a dia de todos contra todos, sob o imperativo moral de cada um por si (e o mal por todos), abdicando do aspecto essencial da natureza humana, ou seja, a necessidade de um relacionamento amoroso com os outros. 

Jair é um anticristo porque despreza a verdade. Mentiroso contumaz, faz da patranha um modo de vida. Engana e ludibria sobre tudo e todos, sobretudo os mais carentes de tempo e cognição. Estelionatário da fé pública, decreta sigilo de cem anos em assuntos de interesse público para ocultar a realidade. Mente por todos os lados, como se uma ilha da falsidade onde a verdade não entra para não poder ser conhecida, acorrentando na inverdade seu séquito mais fiel e ignorante.

Jair é um anticristo porque despreza a igualdade, a solidariedade e a comunhão. Dia e noite ele preconiza o anti-igualitarismo, fazendo do país uma sopa de merda, pus e fel. Se não ele, que outro indivíduo seria capaz de, em décadas de atividade política, jamais ter sequer mencionado o mais grave problema social, a concentração de riqueza? Qual sujeito seria tão capaz de agir em prol do racismo, da fome, da seca, do trabalho infantil e da deseducação pública, causas profundas da desigualdade social? Que outro indivíduo revelaria tanta falta de empatia, de sensibilidade e de compreensão dos problemas sociais, senão pode deliberada opção e vontade? Quem mais glorifica o egoísmo do "cada um por si" travestido de liberdade e celebra o individualismo amoral segregante e socialmente desarmônico, frutos da visão narcísica do sujeito "em-si-mesmo-sem-o-outro"?

Jair é um anticristo porque despreza o meio-ambiente, o lugar onde vivemos. A Terra é a nossa casa, e a nossa terra é a nossa sala, um lugar avassaladoramente devastado para uma boiada poder passar e pastar. Quem mais desregulamenta, flexibiliza, despenaliza, liberaliza e privatiza toda uma agenda ambiental, sob a sanha de fazer da ecologia um tema ideológico e da natureza um espaço propício à destruição, ao desmatamento, ao garimpo, à monocultura, ao latifúndio... como se numa medieval cruzada antiambiental?  

Jair é um anticristo porque despreza os fracos, as minorias e os oprimidos. Como um "homem da inequidade", lambuza-se ao ver o desemprego e o desespero de sem-teto e sem-terra, ofendendo a doutrina social do Papa Francisco presente em sua encíclica Fratelli tutti“terra, teto e trabalho”. Não exalta os humilhados, mas humilha as pessoas fora das normas binárias de gênero e sexo e as comunidades indígenas e quilombolas. Faz da mulher um objeto adâmico, compreende a luta do povo negro como choro de perdedor e entusiasma-se com suas próprias palavras: as minorias devem se enquadrar à sua visão de mundo – ou então desaparecer.

Jair é um anticristo porque despreza a família. Ora, quem mais desconhece o espírito familiar senão um sujeito que propaga a idealização de uma família erguida sobre um moralismo de quinta-categoria que não se sustenta à brisa da manhã porque repleto de múltiplas transgressões? Quem é o sujeito que faz dos filhos projetos vis de homem e cidadão, construídos à sua imagem e semelhança? Quem mais faz das ex-mulheres um harém de negociatas e túmulos vivos de histórias que vão de aborto a traições? Qual sujeito cerca a sua gente de tanta gente sem virtudes e integridade, sempre sob o culto da "tradição"? 

Jair é um anticristo porque despreza as relações humanas e políticas. Quem reiteradamente exalta uma antipolítica que ignora o debate de ideias, a oitiva de opiniões e o respeito às ciências como se fosse onisciente e onipotente? Qual o sujeito que ignora as fronteiras do público e do privado, do justo e do injusto, do certo e do errado em benefício exclusivo dos seus pares? Quem como nunca militariza e policia todo um aparato republicano como fetiche de forte apache? Quem mais desconhece qualquer caráter e pudor para se assumir como um avatar trágico e cruel das elites que liquidam o Brasil, senão um sujeito cuja essência é anticrística?

Enfim, Jair é um anticristo porque encarna o espectro do mal em sua totalidade, em cada um dos relacionamentos, dos atos e das palavras que estabelece e promove na sua trajetória de vida. 

Para além da sua concretude social e política, objetivamente manifestada, tamanha consciência para degradar a existência humana é resultado de quem vive o mal como categoria moral, arquétipo de um agente desumanizado que vagueia no infértil campo do ódio. 

Sim, nele há a prática do mal intencional, radical, torpe e profundo, símbolo da força e da energia que negam o evangelho de Cristo.  

E é preciso um basta, um expurgo das ações, das palavras e do pensamento que carregam a mensagem das sombras, da desgraça e do caos. 

Não por outra razão, o advento da paz passa por uma vitória sobre este anticristo e sua seita.

Afinal, como se disse, tirar Jair do poder não será apenas um ato político – será um redentor ato de amor.


Pastor Henrique Vieira e Emicida: o amor é o segredo de tudo