sexta-feira, 16 de agosto de 2013

# não seria você

 

Não sendo de plástico, não sendo produtos pasteurizados da moda medonha que avassala, não sendo entregues fracionados para um meio que à la carte consome, somos resultados de um empilhamento de acontecimentos que nos formam.

Neste presente, neste processo contínuo que carrega do passado medos, memórias, manchas, marcas, maravilhas e cicatrizes.

E neste futuro, em que seremos o que viemos sendo, e o que vimos, e o que vivemos, pois ninguém seria do jeito que é se não passasse pelas mesmas experiências que passou.

E o que passou nos formou, numa metamorfose constante.

E o que nos formou é o que conquistou, e quem conquistou jamais seria este que nunca foi.

E com este lúcido amor, e desta maneira lúdica, e deste lindo e luminado jeito que o resto da vida inteira assim nos fez.

E fora todo o resto de percalços, sobressaltos, saltos vagos e vagas lembranças de algo que não se deu.

Porque não somos criaturas criadas em laboratórios da tv, e porque não somos etiquetados com algum emblema de vaca holandesa premier, e porque não somos vazios como tudo o que se vê alienar-se e preencher-se por aí.

E porque esquecemos que o que aquece não é o frio da perfeição da retidão padrão.

Porque esquecemos que uma alça não calça a importância de se ter um grande amor pra viver.

E porque não tem horário, e não tem a hora, e não tem ponteiros, e nem tem um cuco pra nos fazer nos ver. 

E porque amamos sabendo como, e quando, e a partir de onde.

Neste mar de saudades que me ilhava, desconfio que Neruda quase errou.
 
 
 
 

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

# da gema


O Rio é uma ilha cercada de botequins por todos os lados.
 
Mas, na companhia de um fraternal casal – e da própria dona do lugar, um gênio da arte e da simpatia, que passou horas conosco à mesa , conheci nesta noite um daqueles que, não fosse pela distância de casa, seria o meu lugar, daqueles de bater ponto, de fazer hora-extra e de nunca pedir a conta. 
 
É o Bar da Gema, na gloriosa Tijuca.
 
E mais não ouso falar.



terça-feira, 13 de agosto de 2013

# bitucas acesas

 
Para além de uma câmara na mão e uma ideia na cabeça, a onda do lado B da realidade político-social não precisa ter o nome ninja que tem.

Na verdade, esta outra visão, este outro ponto de vista, esta outra roupagem desnuda da vida fora das cercanias compromissadas da grande mídia é apenas reflexo da "verdade libertadora" descrita em João, 8:32.
Ou, ao menos, uma outra libertação, em vias de se mostrar menos libertadora assim, afinal, embora se dê os devidos créditos da presumida inocência e da pertinência temática, dê-se também a desconfiança que o tempo resolverá, pois, como quase tudo, há sim que merecer pontuações e ponderações.
Mas, não há cama que nos desminta: a turma dos Poderes da República insiste em querer brincar com fogo.
E, agora, boa parte dos mijados estão a fim de expor fezes nos ventiladores do país, com muito Sol e pouca sombra.
E a internet mostra tudo, sem filtro, x-rated. 




quarta-feira, 7 de agosto de 2013

# atleticania (v)


Paulo Baier é o maior ídolo do Atlético da era pós-moderna  entenda-se isso de 2006 pra cá, após a geração vice-campeã brasileira e da Libertadores, e entenda-se que para isso não precisa ser um garrincha ou ter ganho o mundo. 
 
Afinal, ele corre e pensa o jogo todo, ele orienta e comanda o jogo inteiro, ele arma, marca, lança, fuça, bate falta, lateral e escanteio, tira o toss, tira foto, tira onda. E faz muitos gols.
 
Quase onipresente em campo, Paulo Baier é um furacão, é um fanático, é o maestro. 
 
É impressionante e emocionante vê-lo, no apagar das luzes de um relacionamento já antigo, declarando-se um apaixonado pelas nossas cores e pela nossa gente ao final de cada jogo.
 
Caiu naquela desgraça e foi o primeiro a dizer que ficaria para voltar; aceitou o segundo plano que quiseram lhe impor e disse que era apenas um soldado, e que também voltaria, sempre com uma humildade franciscana.
 
E quando tudo parecia caminhar para a sua aposentadoria, vem Vágner Mancini  o nosso novo e surpreendente treinador, com jeitão de enfermeiro do SUS e intervenções cirurgicamente brilhantes  e dá a braçadeira, a batuta e a bola pra ele.
 
E quando tudo está ruim, turvo, modorrento e quase perdido como nesta noite contra o tricolor baiano, Paulo Baier acha um canto, um buraco, uma brecha e nos tira do sufoco. Um a zero. E na pressão, ele sossega, e no sossego, ele pressiona, tudo numa dinâmica que não deixa nenhum dos nossos jovens e aspirantes jogadores apavorados ou avoados em campo.

Hoje o time é dono de si, porque dentro do campo tem um dono, porque o time tem o líder.
 
E agora, absolutamente ciente dos seus limites e propósitos, o Atlético está apenas um ponto atrás do carrossel das ervilhas mecânicas, o "Barcelona das Araucárias", como por aí cogitam.
 
Sem estádio, sem grana, sem a grande torcida, sem renomados atletas e sem os holofotes platinados da mídia chauvinista. 
 
Mas com Paulo Baier.



# anti-fahrenheit 451


Para entender e se situar no mundo, o discurso do Senador Roberto Requião (PMDB/PR) na sessão plenária inaugural do segundo semestre legislativo, quinta-feira passada, lembra, na sua forma, Cícero.

E no seu conteúdo traz a lembrança de Marx, Keynes, Furtado, Bobbio, enfim, de muita gente boa, como o meu professor de Coimbra, António Avelãs Nunes, na atualidade um dos mais renomados críticos deste "estado de coisas" e deste falido sistema que desmonta a Europa e que insiste em carcomer meio-mundo.

Apertem os cintos e assistam, pensem, reflitam, sonhem... e não percam a cara embasbacada do presidente da Casa, fingindo (não) entender aquilo tudo.

Este, afinal, é o nosso tempo.






sexta-feira, 2 de agosto de 2013

# baratas, moscas e a lama


E não é que o frustrante "Campus Fidei", aquele ex-local da grande marcha de peregrinos da Jornada Mundial da Juventude (JMJ), foi escolhido a dedo por motivos não tão peregrinos assim?
 
Uma das donas do terreno – uma área maior que o bairro de Ipanema – é a multicitada família Barata, aquela mesma que no ano da graça de 2013 finalmente apareceu ao mundo, famosa por ser dona do transporte público viário carioca há séculos e por prestar serviços com "eficiência" e "preços módicos" à população (v. aqui e aqui).
 
E assim, como se numa visão santificada, a Prefeitura e o Governo do Estado convenceram a organização da JMJ de que lá, bem perto de onde Judas perdeu as suas botas, na famosa caixa-prego, nos calabouços desvalidos do município, seria o local ideal para melhor simbolizar o evento. Tudo, é claro, com ares de sacrossanto desinteresse econômico e comercial.
 
O fato de ser área de proteção ambiental? De ser aterro clandestino? De exigir investimento público para preparar a infraestrutura de um terreno de mangue? Ah, detalhes que a jovial marcha e a sociedade não dariam importância.
 
E assim, apesar do cancelamento do evento no local, toda aquela área foi trazida à luz, quase por fórceps, para finalmente (e forçosamente) justificar uma intervenção financeira do Estado.
 
Afinal, com todo o grande coração republicano que lhes acometem, Governo e Prefeitura prometem agora lá investir para criar um grande bairro, para delírio das baratinhas de plantão, que se desbundarão com as reviravoltas da terra naquela região.

E aquele mar de lama que se formou em Guaratiba passa a ter também um sentido figurado.

Mas tudo, claro, é mera coincidência.

Como também é absoluta coincidência a reviravolta do caso "Maracanã", justamente num momento em que a pressão sobre o Governador atinge níveis bizarros e que o distinto público deu claros sinais de que não pagará o valor dos ingressos que o consórcio achava que poderia cobrar (e muito lucrar). 
 
Em três jogos, prejuízo inesperado e a expectativa de que encheria o estádio com R$ 100 per capita foi frustrante, assim como os reveses dos negócios anexos ao Estádio, que fizeram o grupo privado se compadecer com a situação de inimigo público imposta a Sergio Cabral.
 
E neste cenário, como se iluminado pela luz dos anjos e do Papa, o próprio Governador resolve rever algumas questões do contrato de concessão do ex-Maracanã. 
 
Sim, séculos e séculos depois de muitos estudos, de muitas discussões e de muitas reuniões, quando já tudo resolvido e enfiado goela abaixo, resolve-se que alguns "conceitos" merecem ser revistos. E sobrou até para os quase-índios, em vias de serem reincorporados à terra sagrada. 

E diante de tudo, o consórcio recuou, estrategicamente, coincidentemente. E ardilosamente desejado? 

Ora, é claro que ter uma velha opinião formada sobre tudo não é sempre legal, e que a metamorfose ambulante é por vezes fundamental.
 
Porém, "ai, porém...", há casos diferentes. 

Há situações em que os sujeitos apenas se fantasiam de camaleão, e a mimetização, portanto, é falsa, é dissimulada, é trapaceada, é de araque. 

No caso, uma antiarapuca da incompetência privada, que se recusa a engolir as moscas no meio de mais outra lama.


quinta-feira, 1 de agosto de 2013

# baseado em ciências


Em vias de ser aprovada a nova lei que regulamentará a plantação, a distribuição e o consumo de maconha ("Ley de Regulación  de la Marihuana"), o Uruguai está a dar um crucial passo no controle da violência das periferias, no descaminho de milhares de jovens, na retomada de territórios apartados do Estado e, principalmente, no fim da guerra ao narcotráfico.

Absolutamente longe de se intentar qualquer apologia ao uso, não há qualquer justificativa razoável e minimamente técnico-científica para que continuemos a renegar a erva às sombras e à escuridão, rotineiramente trazida e montada pelos esgotos das cidades, habitualmente distribuída e comercializada por ratos, corvos e bandidos, e invariavelmente consumida a doses industriais em todas as festas, campings e circos da Oropa, França & Bahia.


Os estudos, as pesquisas, os dados, os dossiês, os astros, as bulas, os espelhos, os evangelhos, os orixás, tudo aponta para a irracionalidade da medida da sua proibição.


Claro que ela não dá tanto lucro quanto as drogas químicas, as patentes farmacêuticas (v. aqui), o transporte público viário (v. aqui) e os pedágios nas estradas brasileiras – refiro-me àquelas rodovias cujos contratos de concessão foram firmados antes de 2003, na época neolibelô, já que depois disso as regras e os preços ajustados foram absolutamente diferentes (v. aqui) –, porém, ainda assim, nos moldes de hoje, traficar cannabis constitui um negócio fabuloso para a criminalidade, e péssimo para o Estado e a sociedade.

Como aqui, aqui e aqui já enfatizamos, há muita base e inteiro respaldo das ciências biológicas, sociais, econômicas e jus-criminais para afirmar que, jamais desprezando os seus múltiplos malefícios, a maconha não pode receber um tratamento diferente daquele dispensado às outras maiores drogas sociais (álcool e cigarro), ainda mais prejudiciais e viciogênicas.

A questão, pois, parece se sustentar em contas mal feitas acerca dos custos públicos da medida – e de um erro crasso na solução desta public choice, que trata o problema da maconha como questão de polícia e segurança pública, e não de saúde pública; ou, então, em aspectos metafísicos, meio dogmáticos, meio carola, tese reducionista de uma turma puritana que acha o baseado simplesmente uma coisa do capeta.

E é, se continuar a ser monopólio do crime organizado, a causar milhares de mortes todos os anos e a custar milhões em aparato e corrupção policialescos.

Mas acredito no bom senso e no progresso da Política.


E que a liberação controlada, selada, carimbada, registrada e fiscalizada do cultivo e distribuição da maconha pelo Estado uruguaio (e de modo ainda mais rigoroso do que acontece com fármacos, destilados e tabaco) é uma prévia do que virá, muito em breve, a acontecer América Latina afora.

Além do jeito desprendido de lidar com o poder e o dinheiro, o presidente Pepe Mujica passa assim a ser também exemplo na forma independente, altiva e eficaz que encontrou para enfrentar os narcotraficantes.

Afinal, a guerra contra eles já foi perdida há muito tempo.


O vídeo-bomba que liquida o narcotráfico no Uruguay