sexta-feira, 29 de junho de 2018

# um platelminto



Desde que no horizonte eleitoral de 2018 apareceu um candidato da ultradireita, neomedieval, fanfarrão, picareta, de rasa cognição e ululante despreparo chamado Jair Bolsonaro, digo: "senta que o bicho é manso!". 

Ainda que sob o risco de antecipar projeções políticas, futurologia estranha à ciência política, talvez com um certo exagero comparava as suas chances com a de um ornitorrinco de gravata e gestos histriônicos – e os argumentos eram vários

De cara, deveria ficar claro que ele não seria o esperado outsider, uma versão "doriana" que preencheu de sorrisos matinais as casas paulistas de 2016 ou do "homem laranja" daqueles sonhos yankees de dois anos atrás

Apenas a título de exemplo, senão no pensamento autoritário  que flerta com o antidemocrático, repudiando as instituições  e na postura boquirrota  repleta de frases feitas (e falsas)  as semelhanças entre Jair e Donald Trump são as mesmas que há entre um esqui e uma mexerica: enquanto Trump é o clássico forasteiro ("apolítico", magnata, showman bon vivant, articulado e com fama de "gestor"), Jair não passa de um ex-militar de patente rasa que há trinta anos vive na caverna parlamentar como um tosco e folclórico deputado. 

E mais: sem nenhuma articulação política (isolado num partido escurril), sem qualquer espaço no "mercado" (absolutamente estranho à filosofia dos valores da tal livre iniciativa), sem apoio popular de massa (está restrito a certos grupos fragmentados), seria praticamente impossível sustentar uma candidatura deste porte.

E, convenhamos, Jair não teria nas mãos um país do tamanho geopolítico dos EUA, gigante capaz de permitir que Trump faça praticamente o que bem quiser mundo afora, cujo radicalismo também em política externa acaba por vezes sendo engolido por outras nações.

E havia ainda outras tantas razões: a sua posição ali era apenas momentânea, enquanto interessasse para a direita tradicional tê-lo como o tal bode na sala; todo o barulho em torno do seu nome era virtual, criado do teclado de navegantes ou da massa de robôs da internet; a fundação moral brasileira não era historicamente tão desesperançada (e cretina) a ponto de  ter milhões interessados em entregar a nação para alguém com um perfil assim etc. 

Ademais, para além disso, nenhum dos "motivos" que iludiam o potencial de eleitores desta candidatura sobreviveriam com o início das campanhas e dos debates. 

Afinal, no curto prazo  isto é, além da instantaneidade das redes sociais  é avassalador o poder de autodestruição de Jair ao abrir a boca, de cujo órgão não saem ideias, mas apenas perdigotos cheio de ódio, pus e vírus de toda espécie. 

Ao se expor à luz, fora do seu habitat, em poucos minutos se revela que não a figura honesta que se autoproclamava, que não é alguém diferente no universo das práticas políticas, que não tem qualquer projeto real relacionado à violência e à segurança pública, que não tem qualquer proposta adulta em saúde e educação e que não tem qualquer noção da realidade brasileira, particularmente a socioeconômica e a administrativa. 

Depois, esta fragilidade é tamanha que em segundos a grande mídia pode destruí-lo, pondo a nu a sua falta de ética na atividade parlamentar, a sua espumante ignorância e o seu pleno desconhecimento de todos os assuntos de interesse nacional... tudo, obviamente, em prol do real candidato da direita que, muito em breve, iria aparecer. 

Logo, largado no asfalto, lhe sobraria de lastro eleitoral três pequenos grupos: (i) os órfãos do regime militar, representados pelos instintos odiosos e fascista da extrema direita e pela cognição binária das "pessoas de bem", (ii) os suicidários da República, um grupo cuja ideia é pôr uma bomba que exploda o país e ver "o circo pegar fogo" e (iii) o público mais ou menos jovial que mistura a frustração de uma vida vã com a curtição pela zoação com memes, zaps e gritos de "mito", que se conforta na futebolização da política e que se identifica com a estética pop do antipoliticamente correto, sob um viés torto de "estar transgredindo" – mas que talvez não perceba que boa parte desta onda que surfa e curte é ilegal, imoral e apenas engorda a cadela sempre no cio do fascismo. 

E isso tudo somado não daria 16% de votos.

Em suma, sempre vi no Jair um picareta do baixo clero, um ladrãozinho de galinha que vive à custa de desvios e mal-feitos no curso dos seus mandatos. Sempre vi neste sujeito uma aberração humana que mistura andanças com milicianos, poses mussolinianas e shows de baixaria explícita. Sempre vi nesta coisa a versão facebook de um Enéas fardado e desbarbado, com mais votos, menos cérebro e os mesmos quinze segundos de fama que, por todo o contexto, não o levariam a lugar algum.

Mas acontece que estamos em meados de julho (!) e o tal cavaleiro andante da direita real que levaria à glória, entre outros, os anseios do centro liberal  não apareceu.  

Ninguém do eixo PSDB-DEM-PMDB emplacou  uma vez que os efeitos do golpe estão marcados a ferro nas suas testas e projetos , nenhum outsider nasceu com vida e, como o tempo já está curto demais para se criar um "fato" que adie as eleições, em outubro a esquerda praticamente não veria concorrência nas urnas. 

Diante disso, qual seria a saída em desespero da direita, do consórcio formado pelos "lavajatinos" e pelo "mercado" (do campo, da cidade, das finanças e do exterior), carregados pela Globo e intermediados pelos 300 de Cunha (o centrão sem pudores do Congresso e da base aliada do governo) e que não empurraram o Brasil para o caos à toa?

Elementar, meus caros.

A pauta moralista dos primeiros e os grandes interesses dos demais parecem não ter (e nem procurar) outra saída senão se segurar no sujeito-estepe que restou  e que eles mesmos pariram , já que o ódio de classe e a agenda conservadora jamais lhes permitiriam seguir uma candidatura de centro-esquerda (embora aqui tivéssemos apresentado uma pequena fenda de possibilidade).

Nesta toada, a justiça de araque nascida da Lava Jato se manteria viva e dissimulada para, entre outros propósitos, promover a sua autoridade inatacável (e truculenta)  que transfere o direito, ciência da lei, para a moral, pauta dos homens  e os anseios corporativistas da sua gente, tutelando a agenda antirrepublicana do Judiciário (STF et caterva) e do Ministério Público.

Por sua vez, a massa amarela das passeatas em louvor a Moro (outro "mito") e à "luta-contra-um-tipo-de-corrupção" também engoliria a opção que restou, tanto de forma voluntária, como de modo entubado-lobotomizado, tudo em louvor e graça ao antipetismo.

O primeiro grupo iria com o orgulho antilulistaanticomunista antiesquerdista na veia, refletido em qualquer ser vivo com chance de enterrar aqueles que querem impor um bolchevismo tupiniquim e deixar a nossa bandeira vermelha.

O segundo grupo seria induzido pelo conto do cabresto moderno ou pelo canto medúsico da mídia, respectivamente sob duas forças.

Pelos 300 de Cunha  as mãos do dinheiro , que comodamente levariam o nome ungido para seus fiéis currais eleitorais interioranos, afinal, se trata de uma legião de mercenários transitando em partidos fisiológicos que desembarcaria em qualquer campanha conservadora que mais frutos rendesse  são as perspectivas do poder em jogo , sempre a misturar religião e benesses com a política de ocasião.

E, principalmente, por ela, as Organizações Globo  a voz do dinheiro , que tudo topa para manter seu monopólio, a qual promoveria país afora a "não campanha" mais acampada possível, assentada sobre um terreno sempre fértil aos históricos interesses que defende, fantasiando-se de "isenta" e abrindo caminho para o Minoasinus sair do seu labirinto e ocupar a cabeça dos "neutros" de plantão.

E o "mercado"? 

Ora, ele sempre só quer grana, é claro. 

E mais, nestes tempos de rentismo, refluxos sociais e recolonização, ele está ainda mais longe de qualquer apreço por democracia e de querer um Presidente real.

Ao contrário, quer alguém fraco, parvo e sabujo para pôr no bolso – e é este exatamente o caso, como se ao candidato dissesse: "dá-me a economia e dar-te-ei a glória".

E a glória viria a galope, na corrida quadrúpede de um cavalo a ser montado pelos cavaleiros de Chicago.

Ou seja, almeja-se concretizado o revival de uma versão pinochetiana de Estado.

Nele, permite-se ao capital financeiro e às grandes corporações (especialmente internacionais) darem incondicionalmente as cartas e livremente se ocuparem deste mix de massa falida com faroeste que se tornou o país, enquanto a "presidência" tutela costumes e comportamentos, sob pautas esdrúxulas e medievas.

Nele, submetem a nação a um longo pesadelo cuja realidade conjugará versões redivivas de fascismo e neoliberalismo, enterrando os propósitos de soberania, desenvolvimento e estado democrático de direito.

Portanto, a poucos meses do registro de candidaturas à Justiça Eleitoral e do início da propaganda eleitoral nas ruas e na internet, parece que do lado de lá somente resta uma peça no tabuleiro.

E esta peça poderá reunir ungulados, múmias, motosserras, coxas, crentes, cretinos, olavos, otários, imberbes, arianos, bandalhos, biltres, yankees, youtubers, tucanos-marinhos e todo o country club nacional, numa diabólica aliança para conjurar o campo progressista e o que nos resta de sanidade e democracia.

Eis o ponto a que chegamos, senhoras e senhores: estaria a esquerda disputando o destino do Brasil com um platelminto?

Bem, no creo en brujas, pero...