quinta-feira, 29 de junho de 2023

# filho maravilha


Encerrar ciclos sempre machuca um pouco.

É a nossa história sendo passada de página, como capítulos encerrados; porém, diferente de um livro, não se pode mais voltar a ler.

Vamos crescendo, vamos mudando e livros vão se fechando. 

E não basta de quando em vez ir à biblioteca para abri-lo, afinal, o tempo não para, nem volta  o que resta são as memórias. 

Não tenho da cabeça estes momentos da minha infância, não sei explicar muito bem por onde ficaram ou foram guardadas.

Mas hoje tive a experiência de viver um destes ciclos fechados por alguém tão de mim no auge dos seus dez anos.

Era a despedida dele do seu time de futsal, depois de um intenso convívio, praticamente sem faltas, fizesse chuva ou sol, inclusive nos casamentos de espanhol, que lá antes da pandemia se iniciou, depois se interrompeu e durou até hoje.

Durante a semana já sabíamos que esta quarta-feira seria cheia de abraços tristes e boas recordações, ainda mais para ele que explode em sentimentos desta natureza, rememorando cada canto e cada episódio daquele clube e daquela gente.

Antes de entrar no ginásio, bem notei o seu olhar longe e o respirar fundo, parecia também dar piscadelas como discretos acenos àquele caminho tantas vezes feitos. 

Sei que no seu íntimo imaginário infantil também via uma multidão gritando por ele, sofrendo por ele, agitando lenços brancos de adeus, clamando para que eternamente ficasse.

E eis que ali novamente ele chegou. 

Com toda a inspiração, com muito amor e emoção, mostrando como sempre toda sua força e sua raça, fazia mais um dos seus dedicados treinos. 

Ocorre que nos instantes finais deste seu último coletivo, quis o destino que deixasse o lugar e todo aquele seu pessoal com uma jogada celestial: desarmou antes do meio da quadra, driblou dois, arrancou, deu um toque, driblou o goleiro e, apesar de toda a humildade que lhe caracteriza, entrou com bola e tudo.

Um verdadeiro gol de placa que eu, magnético à beira da quadra, larguei as anotações de praxe para aplaudi-lo  e essa foi provavelmente a primeira fez que o fizera, não por falta de seus méritos, mas pela minha rabugice de king richard que insisto transmitir.

Em seguida o treinador apita o fim do treino. 

E ele percebe que acabou. 

Ao sair da quadra, vem à minha direção cabisbaixo, com muito suor, com todo o corpo vermelho do sangue ainda bem quente e, sem mais segurar, muitas lágrimas.

Um pranto de quem ali tinha confirmado o encerrar de uma boa fase, de uma agenda atlética divertida e moderadamente descompromissada. 

Como conversávamos no caminho, aquilo aconteceria para então abrir caminho para outras novas coisas acontecerem. 

É o "ciclo da vida", como um certo leão-rei já desenhou.

Mas ali não pude lhe dizer mais nada, e nem o momento talvez admitisse, apenas agradeci por ser o filho que é.

Um filho por quem diariamente e cada vez mais me encanto.

Que maravilha, filho.


quinta-feira, 22 de junho de 2023

# demasiado humano


Um ótimo texto trouxe, sob o viés jurídico-político, as explicações para a indicação do Presidente Lula do seu advogado particular para a Suprema Corte.

Mas é preciso ter algumas ressalvas e também enxergar por outro plano o fim desta medida: o dever de dizer que "a política venceu".

A política vencer significa, no caso, reescrever mais uma vez que "Lula venceu".

E por ter vencido, Lula pôde escolher o sujeito que processualmente enfrentou o seu maior algoz, aquele cujo sonho, veja só, era justamente ocupar uma das cadeiras do STF, um desejo pelo qual vez literalmente de tudo para tentar realizar.

Principal alvo da bizarra operação Lava-Jato  como as jornadas de junho, não durou 15 dias nas ruas até ser usada como meio de derrubar um partido político , Lula foi até o fim com esta sua ideia: registrar na história do judiciário brasileiro, de modo definitivo, a derrota do grupo que, por meio do próprio Poder Judiciário, buscava exterminá-lo da vida (pública).

E conseguiu. 

E fez isso do modo mais cinematograficamente sádico possível, numa mistura de genial com visceral, de quem tira um sui generis gremlin da cartola (e do fígado). Algo inimaginável há, veja só, seis anos... O tempo voa e a vida sopra tufões que viram de cabeça pra baixo o presente.

Porém, a que custo isso?

A Constituição determina que um membro do STF deve ter ilibada conduta e notório saber jurídico, sendo prerrogativa do Presidente da República indicar o nome a ser referendado pelo Senado. 

Convenhamos, mesmo no mundo cinzento e ordinário dos operadores do Direito e apesar do nível desastroso das milhões de faculdades de Direito, não são atributos raros de qualquer cidadão minimamente ético e estudioso dispor.

Agora, porém, Lula perde a oportunidade de marcar esta sua vitória contra os picaretas que o trancafiaram por 580 dias  e que permitiram um tipo anticristo assumir o país por 4 anos , abrindo mão de indicar outro nome. 

Mesmo sabendo das curtas rédeas que a democracia brasileira oferece ao comando do Chefe do Executivo, Lula poderia apresentar um grande nome, indiscutível sob o ponto de vista da ciência do Direito e, mais ainda, da luta política que a aplicação do Direito exige.

Um nome vinculado historicamente à esquerda. 

Um nome associado organicamente às lutas sociais. 

Um nome impessoalmente ligado à defesa das grandes causas político-constitucionais. 

Um nome ligado notoriamente ao pensamento jurídico progressista. 

Mas o nome indicado pelo Presidente Lula não parecer dar guarida a tais características. E isso pode, mais ou menos cedo, trazer problemas e prejuízos para quem pretende construir uma sociedade sob uma visão de mundo progressista. 

Ora, o indicado Cristiano Zanin em toda a sua histórica discrição – ou quase anonimato? – nunca pareceu e nem se comportou como um homem de esquerda, ostensivamente vinculado às pautas e às raízes da esquerda, do ponto de vista jurídico, político, social, econômico... Zanin, na verdade, simplesmente foi advogado de um homem de centro-esquerda. 

Ocorre que a química que forma e fundamenta o mundo e as nossas decisões não dispõe de elementos tão racionais assim. 

É uma química que não é ciência exata. 

É uma matemática que conta mais com a bílis do que com a métrica juspolítica. 

É uma física que faz valer a ideia de que o sabor da vingança move montanhas. 

E por isso se compreende a suprema indicação, afinal, Lula é um ser humano.

Humano, demasiado humano.