sexta-feira, 31 de outubro de 2014

# heroicizar

 
 
Benjamin fará amanhã – que parece nunca chegar – dois anos.
 
Aqui, longe, nesta outra cidade deste outro Estado desta outra região do nosso mesmo país, atropelo-me na imensa solidão do areal de Copacabana para na cabeça dele tentar entrar.
 
Ele ainda pouco sabe de tudo.
 
E talvez por isso – vá saber –, ele pode imaginar o que bem quiser.
 
E por isso ardo em aflição.
 
O que será que ele imagina de mim?
 
Afinal, assim como ele acredita em dragão, dinossauro, pirata de olho-de-vidro e numa lunática esponja amarela, ele deve acreditar neste super-homem aqui.
 
No dia a dia, olha-me como se visse um ser capaz de voar, de não ter dor, de ter toda a força do mundo, de escolher sempre os melhores caminhos, de parar o trânsito, de saber sobre tudo o que não para de falar, de saltar tsunamis que arrebentam nas nossas pernas, de num toque de botão mágico fazer notas brotarem numa boca de caixa, de se esticar como borracha para chegar ao teto de tudo, de chutar uma bola e manusear esquadros como nenhum outro ser do planeta é capaz de fazer...
 
Enfim, imagina alguém mais-que-perfeito, alguém superlativo, alguém hiperbólico, alguém coletivo em si mesmo – isso, ele me vê como uma espécie de batalhão, de nuvem, de cáfila, de alcateia de um homem só.
 
E acredita em mim como um eu que não devo ser.
Na verdade, não sei o que ele gostaria que eu fosse -- e não ser o herói que ele hoje sonha talvez até me frustre.
Ensimesmo, entretanto, eu prefiro não acreditar nisso.
 
E, para continuar tentando fazer de mim este personagem mítico, não ouso abusar das fantasias.
 
Tento, originalmente, usar apenas a alma de pai.
 
 
 
 

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

# cegos e surdos



A hipócrita esquizofrenia do Congresso Nacional -- o nosso Poder Legislativo -- é de dar dó. 
 
Dó da população, é claro.
 
Naquele tal junho de 2013 (v. aqui e aqui), o pouco de real e verdadeiro que se pôde extrair das ruas foi que a população queria ser vista e ouvida, queria participar e colaborar nas ações públicas e na gestão da coisa pública.
 
O sinal foi claro, cintilante: a democracia exige mais que a mera representação.
 
E assim o Governo -- o Poder Executivo -- agiu, criando o Decreto nº 8.243/2014, que institui a "Política Nacional de Participação Social" (PNPS) e o Sistema Nacional de Participação Social (SNPS) -- v. aqui o ato normativo e aqui ele muito bem resumido.

Com ele, a gestão pública mostra-se mais aberta ao diálogo e às demandas de movimentos sociais e da sociedade civil.
 
Sim, a "sociedade civil" -- e até abstraímos os movimentos sociais, que realmente exigem maior articulação e invariavelmente podem sofrer sob o poder das suas lideranças. 
 
Mas falamos da "sociedade civil": eu, tu, eles, nós, o bombeiro, o carteiro, o pescador, o professor, a parteira, a cozinheira, a dançarina, a vascaína... ou seja, a "sociedade", que, afinal, é a sociedade.
 
Entretanto, acreditem, o óbvio ululante não parece soar tão lógico assim para a turma que baba a ignorância do ódio e que está reproduzida nos editoriais, nas capas e nas cartas dos jornalões.
 
Junto a esta baba, moços e moçoilas da nossa Câmara de Deputados rejeitam -- e do nosso Senado rejeitarão --, com constrangedor orgulho, o Decreto.
 
E votam contra.
 
Não o querem.

Afinal, ora pois, a democracia sempre teve medo do povo -- e a direita tem especialmente medo da democracia, como aqui analisou Paul Krugman.
 
E a maioria do Congresso Nacional crê nisso, de verdade, uma vez que é difícil acreditar que refutaram o Decreto como mera estratégia política para mostrar ao Governo reeleito "quem é que manda".
 
Ao cabo consideram a medida antidemocrática e inconstitucional.
 
Julgam que tal participação é comunista, chavista, chantagista, xamanista...
 
"É coisa de pornochanchada", os mais exaltados comparam.

E insistem em deixar o povo bem longe do poder, como aqui se explicou.

Vejam, meus caros, que se está a conceder o mínimo do mínimo da mínima abertura política e o clamor é, justamente, ao contrário, revelador manifesto do medo das massas.
 
E vamos além.
  
Tal medida é mero embrião de uma democracia que já se vê desgastada, enfraquecida e desacreditada -- é a pequena solução para a tal "crise de representação".
 
Esta democracia representativa -- embora essencial e sem qualquer pretensão de deslegitimar a sua capacidade de expressar a soberania popular --, urgentemente exige o diálogo e a convivência contínua e habitual da participação direta, nas formas participativa e deliberativa, como a Presidenta Dilma está a propor.
 
A construção destes novos espaços democráticos e o ingresso de novos atores políticos e sociais apartidários -- ao contrário do que se está a anunciar -- apenas fortalece a representação popular e as instituições republicanas. 
 
Ora, a partir da Constituição de 1988, os governos que se seguiram -- especialmente na gestão Lula -- têm institucionalizado a participação e deliberação popular, nas formas mais tradicionais, como o referendo e o plebiscito, ou naquelas menos conhecidas, como as conferências nacionais de políticas públicas, os conselhos nacionais e locais, as audiências públicas e as ouvidorias.
 
Porém, como se sabe, tudo muito aquém do que a democracia pode exigir. 
 
E quando se pretende dar um pequeno passo à frente -- mas um grande passo para a sociedade --, de modo a permitir que as pessoas envolvam-se um pouco na formulação, execução, monitoramento e controle de políticas públicas, o avanço é brecado
 
E quando se quer iniciar um processo de entronização do povo nas discussões do Estado, fomentado que os cidadãos participem e deliberem sobre as questões públicas para além do exercício do voto, a ação é bastarda.
 
E quando se busca de permitir que a cidadania e a democracia não se esgotem nas eleições, estimulando a presença participativa e deliberativa da população de forma sistemática e aprimorando a relação do governo com a sociedade, o resultado é broxante.
 
Enfim, bem se sabe que a frustração não pode ser uma novidade na realidade social e política brasileira.
 
Logo, esta imagem da grande mídia e da direita bovina, babando em êxtase diante da  intervenção legislativa que derrotou o Governo e fingindo que não vê e não ouve o povo nas ruas, deve servir como mais outro exemplo de como o jogo deve ser jogado.
 
E de que lado estão as peças neste tabuleiro.



 

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

# a vitória


O modelo de um Brasil para todos novamente venceu -- e não era pouco o que estava em jogo.

A vitória, não só da militância partidária e apartidária, foi principalmente do cidadão humilde e solitário que não se curvou diante de todo o mefítico arsenal midiático que, diuturnamente, acampava-se no lado oposicionista.

E a democracia exige isso: que o governo seja do povo, para o povo e eleito pelo povo.

E a república democrática permite isso: que o poder não seja definido pela cor do sangue ou pelas cifras no banco.

Assim, para muito além da "união", a única certeza que advém desta eleição é a necessidade urgente de se pisar fundo no acelerador da democracia e da república.

Doa a quem tiver que doer.

E com o resultado deste hoje, a dor do ódio de classes -- ou seria de castas? -- aflorou como nunca.

Talvez como quase todos que desafiaram a ordem lógica eleitoral dos centros encastelados do país, na minha terra, Curitiba, também tive o sentimento de viver como um guetizado, tamanha a mensagem de inveterada e absoluta aversão que olhos alheios direcionavam a mim e às minhas vestes enquanto passava pelas ruas do meu feudo.

Afinal, não são por outros olhos que se destila a peçonha do discurso rasteiro e subterrâneo da falsa dignidade olímpica, trazido de algum auto da compadecida pelos homens bons que não hesitam em flertar com o golpe.

Tal discurso, como se ouvido às margens plácidas de outro Ipiranga, pretende-se portador do puro e imaculado sentido do bem, protótipo da excelência, fonte de toda a sabedoria e senhor absoluto do destino -- sim, a luta é contra o "mal", representado por uma estrela vermelha pela qual uma ralé malcheirosa que não sabe votar guia-se.

Este, pois, é o infeliz pensamento de boa parte dos eleitores que, desonrando os tributos legítimos -- ainda que evaporáveis -- de uma agenda tucana, são contrários à reeleição.

Incautos (ou hipócritas), insistem em falar num Brasil dividido, segregado e semienlutado, esquecendo-se que por quinhentos anos o nosso país foi isso, pelo torto caminho da direita e pela via vazia de direitos liquefeitos, de direitos mendigados e de não-direitos aos quais a ampla maioria do povo enveredava-se.

Ainda incautos (ou hipócritas), agarram-se num Brasil do Norte e Brasil do Sul, como se não enxergassem  -- algo que só a cegueira branca propicia -- que o PT conseguiu quase 45% dos votos das regiões Sul e Sudeste  e que, finalmente, cuidou-se do lado de cima da nossa geografia, onde a fome acabou, a miséria mingua e a economia cresce, desde 2004, mais de 4% ao ano (v. aqui).

Ainda mais incautos  (ou hipócritas), socorrem-se numa pretensa divisão entre ricos e pobres, quando o que há é uma flagrante divisão entre interesses de ricos e de pobres -- que, em muitos casos, desobedecem a lei natural --, conflito que caracteriza todo e qualquer Estado tão desigual e com um ranço tão profundo de servilismo e dominação cordial e cultural.

Ora, a ciência da Política não pode ser confundida com uma metafísica do bem e do mal, do vermelho e do azul, como se tratasse de dogma religioso ou de paixão clubística.

Afinal, o que Brasil escolheu neste domingo foi um entre os dois projetos políticos propostos (v. aqui e aqui).

E o programa vencedor deixa muito claro: quer mais soberania nacional, e não menos; quer mais Estado, e não menos; quer mais energia na política e na democracia, e não menos; quer mais igualdade, e não menos; quer ricos pagando mais tributos, e não menos; quer mais poder de compra, e não menos; quer mais redes de segurança social, e não menos; quer mais periferia e interior, e não menos; quer mais Norte e Nordeste, e não menos; quer mais economia solidária e oportunidades profissionais, e não menos.

Quer, assim, mais (e mais) mudanças, e não o (máximo) retrocesso a um plano estatal cruel que, em nome da ortodoxia neoliberal, quebrou a Europa, trincou os EUA e sempre colocou de joelhos os países em desenvolvimento.

Mas o Brasil também quer "diálogo", o que não significa concessões cegas ou o silêncio trêmulo, ambos dissonantes do espírito do povo que reelegeu o PT.

Pois quer radicais reformas federativa, política, fiscal e no sistema econômico.

Quer mais reformas agrária, na saúde e na educação.

Quer novas políticas de segurança, de mobilidade urbana, de esportes, de gestão pública e industrial.

Quer aperfeiçoar as políticas de proteção, inclusão e ascensão sociais, de habitação, de energia e de combate à pobreza e à corrupção.

E, para isso, precisa também "dar nome aos bois" -- e por isso a imperiosa necessidade de se criar um grande plano de comunicação institucional (v. aqui) --, deixando claro à população de quem e quais são as responsabilidades e as atribuições constitucionais de cada ente e como funciona um Estado e os seus três poderes -- sim, o Chefe do Executivo e a sua Administração não podem continuar reféns e culpados únicos das chantagens pernósticas do Congresso Nacional e tampouco do tecnicismo promíscuo do Judiciário.

Enfim, Dilma e o PT têm mais uma oportunidade -- como teve aqui... -- de reposicionar o país nos trilhos da democracia social, de continuar a construção de um país rico e sem miséria e de, finalmente, poder transformar a nossa terra e a nossa gente.

O Brasil, neste domingo, agradece ter ganho nas urnas outra chance para isso.


sexta-feira, 24 de outubro de 2014

# arranjo final

 
A velha mídia, claro, não dá ponto sem nó.
 
E bem articulada com a oposição traz consequências explosivas.
 
Por isso, soa por demais estranho, a esta hora e neste dia, o resultado destas pesquisas -- até dessa aqui, cujo dono faz campanha tucana... --, estampado em letras garrafais nas capas e manchetes da tv, das rádios e dos jornalões.
 
Não acredito no tal descolamento, embora o processo de desconstrução da candidatura tucana seja algo muito fácil de se levar adiante.
 
Afinal, não foi por outro motivo que o PT preferiu, primeiro, "revelar" ao mundo o que era, o que defendia e o que (não) pensava a Sra. Marina Silva (v. aqui), pois já sabia que desbancar o PSDB seria algo menos complexo.
 
Ora, lembrando Marx, se "tudo que é sólido desmancha no ar", os tucanos se desmancham em pleno solo, em pleno confronto no rés-do-chão da política, tamanha a pobreza e a obsolescência das suas teses, teorias, planos, programas e ações mundo afora.
 
Portanto, não precisa ser nenhum gênio da propaganda, e nenhum Cícero da oratória, para mostrar na campanha e nos discursos a absoluta distância que separa, sob qualquer viés comparativo, o Brasil do PT e o Brasil do PSDB (v. aqui e aqui).
 
Mas, até agora, apesar disso tudo, grande parte da população ainda se ilude com o fetiche das passeatas de junho, compra a versão midiática que colou na testa do PT o selo exclusivo da corrupção (v. aqui e aqui) e quer... "mudança", ainda que o PSDB esteja a léguas de qualquer projeto real e verdadeiro de mudança, uma vez que representa o retrocesso para algo que já se conhece e já se sabe ser ruim -- se mudar é mesmo o verbo, então seria mudar para pior (v. aqui).
 
Logo, por todas estas circunstâncias, a disputa será voto a voto, urna a urna, bairro a bairro.
 
Nada disso de "deslocamento".
 
Por isso creio na absoluta mentira -- muito além de mero erro -- dos institutos de pesquisa, arranjada pela mídia e pela oposição para vencer, tudo bem orquestrado, pari passu, com a torpe repercussão da capa do panfleto da Abril.
 
A tese?
 
Criar um clima de "já ganhou" e motivar marineiros, marinheiros e indecisos a pensarem assim: "Ah.... a Dilma já ganhou mesmo... vou votar no Aécio...".
 
Com isso, ficariam com a consciência "limpa" e ainda obedeceriam ao "clamor-das-ruas" que pediram "mudança".

A ver.


 

# aspas (xliv)


Sobre o que o panfleto Veja diz ou deixa de dizer, como na capa antecipada de hoje, já não importa a quase ninguém, há pelo menos 15 anos.

Não me refiro às pautas, à (o)posição ou aos seus interesses -- v. aqui --, pois isso é do jogo.

Ocorre que ela, reiteradamente, se rebaixa aos mais sórdidos e inimagináveis níveis, o que a torna até caricatural.

Fico, assim, com a célebre sentença do Senador Roberto Requião (v. aqui):

"Veja... não compre. Se comprar, não leia. Se ler, não acredite. E se acreditar, relinche".

E, depois, com a de Joseph Pulitzer, cujo nome dá título ao maior prêmio do jornalismo mundial e que muito bem ilustra quem publica e o seu público:
 
"Com o tempo, uma imprensa cínica, mercenária, demagógica e corrupta formará um público tão vil como ela mesma".


terça-feira, 21 de outubro de 2014

# sem estereótipos

 
Ele é um playboy preguiçoso e bronzeado; ela, guerrilheira e grosseira.

Ele cheira e sua muito; ela não usa perfume e sua muito.

Ele bebe e usa celular ao volante; ela não sabe dirigir e não sabe conversar.

Ele não fez bafômetro; ela tem bafo.

Ele é machista e mulherengo; ela é feminista demais.

Ele é demagogo; ela, mal-humorada.

Ele se preocupa demais com o espelho; ela não usa espelho.

Ele com 25 anos pega um avião e vira diretor da Caixa no governo Sarney; ela com 23 anos pega em armas e coordena grupos rebeldes contra a ditadura.

Ele é um instrumento a serviço dos interesses privados; ela, um poste que interessa ao Lula.

Ele não gosta de grande parte do Brasil; ela gosta de muitos aliados que não gostam do Brasil.

Ele é seguido por Bolsonaro, Feliciano, Beto Richa, múmias paralíticas e celebridades de quinta; ela não vai à missa, não sabe falar e não segue ninguém nas redes sociais.

Ele desviou dinheiro da Saúde e considerou vacina para cavalo como gasto em saúde pública, quando Governador; ela aceitou privatizar portos e aeroportos e permitiu empréstimos a grandes oligopólios privados, quando Presidenta.

Ele empregou nove parentes no seu governo em Minas; ela ajudou a dar emprego para o irmão na Prefeitura de Belo Horizonte.

Ele promoveu a construção de dois aeroportos em áreas da família com dinheiro público; ela autorizou cargos em comissão para um bando de pulhas.

Bem, pouca coisa acima importa para escolher quem comandará o Brasil nos próximos quatro anos.

Afinal, não se pode falar de pessoas -- como se fosse a escolha de um amigo ou uma companheira -- e pouco se deve falar do comportamento delas, pois atire a primeira pedra quem nunca errou.

Na verdade, a questão está em outro nível de reflexão, muitíssimo maior e mais sério.

De um lado, o embolorado PSDB e o seu xoque de jestão, com a sacralização do "laissez-faire, laissez-passer", o desprezo às políticas sociais e a impávida rendição ao interesses privados em detrimento do interesse público, o que, dentre outras coisas, criou as agências reguladoras, causou o apagão elétrico no Brasil, causa o apagão de água na maior cidade da América Latina e autorizava o funcionamento de um país com os maiores juros do planeta.

E, do outro, o PT e a sua "opção preferencial pelos pobres", as políticas de inclusão social e a reconstrução moral de um país com a maior desigualdade do planeta, equilibrando capital e trabalho, estimulando as causas privadas e assegurando o interesse público e promovendo o desenvolvimento e a soberania nacionais.

Enfim, em jogo estão planos, programas e projetos de país absolutamente díspares e com setas opostas que apontam para o retrocesso e para o progresso do Brasil.

E é sobre isso, exclusivamente, que deve pesar a nossa escolha.

Mesmo sabendo que somos humanos, demasiadamente humanos.

 

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

# a retórica e os mitos


Números e mais números bem podem resumir os governos do PT e do PSDB, como aqui e aqui se mostra e cujos estudos abaixo reproduzimos.

Números, entretanto, que não podem falar por si, pois a ciência em jogo não é uma ciência “positiva”, não é uma ciência “neutra” em relação aos fins, não é uma ciência "apolítica”. Afinal, esta ciência, muitas vezes adornada com elegantes e sedutoras construções matemáticas -- para dar um ar de ciência “séria” e “infalível”, ignorando ou não querendo assumir que a matemática não é uma ciência, mas uma lógica --, mostra-se muitas vezes um “deserto de pedras”, onde não há lugar para os homens de carne e osso, como ensinou o Prof. Avelãs Nunes no prefácio desta obra aqui.

Por isso, para muito além dos números, é todo o manancial da economia politica que melhor diferencia a gestão e as políticas do PT e do PSDB.

Mesmo assim, entretanto -- e já pela enésima vez --, dando ouvidos aos pragmáticos, vamos aos números, os quais desmentem toda a desfaçatez que rodeia o discurso tucano, criando lendas que, pelas vozes midiáticas, transformam-se em verdades.

Entre 1995 e 2002 -- com FHC (PSDB) no governo --, a "renda domiciliar" per capita caiu, segundo  dados do IBGE (Pnad), fulminando a tese tucana de que, por meio da privatização de estatais, da desregulamentação do mercado de trabalho e da liberalização comercial e financeira se ampliaria o papel do mercado e da competição para então selecionar os melhores e punir preguiçosos, prometendo crescimento.

Pelo contrário, a partir de 2003 -- com os governos de Lula e Dilma (PT) --, a "renda domiciliar"  aumentou mais de 50%, com a recuperação do papel do Estado, conforme o próprio IGBE aponta.

Depois, a "desigualdade", com base no Coeficiente de Gini, enquanto se manteve inalterada com o FHC, caiu 10% com Lula e Dilma diante da valorização do salário mínimo, da defesa e formalização do emprego e ampliação do gasto social

Na "educação", o PSDB vetou o 1º Plano Nacional de Educação (PNE), que determinava investimentos de 7% do PIB até 2010, deixou o País sem meta de financiamento e concluiu mandato com 3,5% do PIB; em 2014, Dilma aplica 6,4% do PIB em educação e sanciona o 2º PNE com destino de 10% do PIB até 2024. Ainda neste tema, Lula e Dilma promoveram a significativa ampliação das transferências de renda condicionadas à matrícula escolar, além de bolsas e crédito subsidiado para ensino técnico e universitário e a criação de 18 novas universidades federais -- contra zero com FHC -- e 178 novos centros universitários. Com isso, as matrículas no ensino superior elevaram-se de 2 milhões (2002) para 7,5 milhões (2014), complementados por 8 milhões de alunos no Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec).

A respeito da "dívida pública", essa explodiu no governo FHC -- e não pela assunção de dívidas passadas não contabilizadas, mas, sim, pelos juros mais altos do planeta e títulos indexados em dólar para evitar a crise da âncora cambial, naquela conhecida artimanha antes da reeleição tucana, em 1998. Assim, entre 1995 e 2002, a correção cambial e os juros altos contribuem com mais do que cinco vezes o valor da dívida... e que só não aumentou mais por causa das privatizações e do superávit primário, pedras angulares da gestão do PSDB.

Sobre "inflação", o PSDB conseguiu reduzir a inflação a menos de 2%  a.m. em 1998, às custas de juros bizarros e muito arrocho para o trabalhador; mesmo assim não conseguiu mantê-la nesse nível e, no fim do governo inflação chegou aos 12%, quase o dobro dos 6,5% que temos hoje com Dilma, que a manteve sempre dentro das metas, mesmo aumentando os salários e garantindo mais direitos aos trabalhadores.
 
Em relação ao "desemprego", Dilma, em 4 anos, criou mais postos de trabalho do que FHC em 8: uma média de 1,8 milhões ao ano, contra 620 mil na era tucana. O Brasil de Dilma tem as menores taxas de desemprego da sua história: 5,4% em 2013, contra 12,2% no fim do governo do PSDB. E isso enfurece os donos do capital, pois desemprego baixo aumenta o poder de barganha do trabalhador, que não se sujeita a qualquer trabalho e por qualquer valor.
 
Quanto ao "salário mínimo", as diferenças são vexatórias: no fim do governo do PSDB (2002), o mínimo era de R$ 200, o equivalente a 1,4 cesta básica; hoje, é de R$724, o que permite comprar 2,2 cestas básicas. Ou seja, 65% a mais do poder de compra do trabalhador. Em dólar, o contraste é constrangedor: com os tucanos, em 2002, o salário mínimo valia 86 dólares, com Dilma, em 2014, vale 305 dólares.
 
No tocante aos "juros", cuja política tanto impacta o bem-estar financeiro do trabalhador e tanto contribui para os negócios, vê-se claramente o que move cada uma das gestões. No tempo do PSDB, a política de juros exorbitantes -- os maiores do planeta -- era o paraíso para o grande capital vadio e baldio: a taxa foi de 45% ao mês no fim do governo. E quem era o Chefe das Finanças na época? Armínio Fraga, o responsável pela elaboração do programa econômico de Aécio e candidato oficial a futuro Ministro da Fazenda. Já nos governos do PT a ciranda foi outra. E  Dilma mudou as regras da poupança e usou os bancos públicos para baixar muito os juros e pressionar os privados a seguirem, chegando em 2% ao mês e, hoje, em 11% ao ano, o que ainda é ruim.
 
E agora mais uma sopa de números, cujas fontes estão aqui e aqui:
 
- Produto Interno Bruto => R$ 1,48 trilhões (2002) e R$ 4,84 trilhões (2013)
- PIB per capita => R$ 7,6 mil (2002) e R$ 24,1 mil (2013)
- Investimento Estrangeiro Direto (em dólares) => 16,6 bilhões (2002) e 64 bilhões (2013)
- Reservas Internacionais (em dólares) => 37 bilhões (2002) e 375 bilhões (2014)
- Gastos Públicos em Saúde => R$ 28 bilhões (2002) e R$ 106 bilhões (2013)
- Valor de Mercado da Petrobras => R$ 15,5 bilhões (2002) e R$ 104,9 bilhões (2014)
- Lucro médio da Petrobras => R$ 4,2 bilhões/ano (PSDB) e R$ 25,6 bilhões/ano (PT)
- Capacidade Energética => 74.800 MW (2001) e 122.900 MW (2013)
- Falências Requeridas (em média/ano) => 25.587 (PSDB) e 5.795 (PT)

São, pois, números...

Que não podem -- e nem devem -- dizer tudo, mas algo dizem.

# grã-fino das narinas de cadáver


 
Às duras penas, Dilma continua participando dos debates.
 
O dom da oratória, ou a mínima aptidão para ser bem treinada no enfrentamento do público e das câmeras, fica sempre claro que a Presidenta da República não tem.
 
Mas isso até se aceita, pois a embalagem não pode ser maior e melhor que o conteúdo -- embora, gize-se, o discurso sempre ajude a vender melhor as ideias, como já fez aqui.
 
Entretanto, o que causa real repulsa é a postura demagógica, desfaçada, dissimulada, histriônica e vazia do candidato Aécio Neves, bem típica daquelas da grã-fina das narinas de cadáver (v. aqui).
 
Aécio, com toda a sua verve purpurinada, desenvolve uma apresentação perversa, rasteira, traiçoeira e reticente, que se funda na aparência para esconder as vontades mais genuínas em jogo.
 
A cada fala, a cada intervenção, a cada olhar, o sujeito abre os braços, simula a revolta, abusa das frases feitas e insiste com um festival de mesmices sem qualquer conteúdo -- tal qual aqui.

Ora, como disse Dilma no debate, Aécio "viu o galo cantar mas não sabe onde...", o que deve justificar o fato de o PT ter vencido, em Minas Gerais, para Presidente e para Governador.
 
Afinal, retire-se o falacioso e gasoso mote da "corrupção" -- e do xoque de jestão, e da "meritocracia" etc. --  e se estanque o bilionário gasto em propaganda estatal, e notem, caros leitores, se subsistirá algo na plataforma política do PSDB.
 
Ou, melhor, se subsistirá algo do Estado brasileiro, pois o fim é sobrar pouca coisa, como já advertiu o candidato a futuro Ministro da Fazenda de Aécio (v. aqui).
 
Enfim, ao olhar o jeito tucano, e do seu representante, em se apresentar, nele enxergo toda a massa bem-cheirosa que abusa da hipocrisia, da maquiagem, da pomposidade, da demagogia, dos gestos teatrais e da para defender os seus interesses.
 
É do jogo, diz-se -- e concordo.
 
Mas enoja, pois nele vejo o que vi na Av. Atlântica neste domingo de manhã: um bando de brancos coxinhas com grifes, blushes, flashs, cruzes e lapelas das forças armadas exaltando palavras de ordem em prol do candidato udenista, digo, tucano.
 
Tal qual veria nos bairros bem-cheirosos de Curitiba, de São Paulo, de Salvador...



 

domingo, 19 de outubro de 2014

# atleticania (xix)

 
Em Curitiba, o duelo entre os maiores rubro-negros das Américas abusa do óbvio ululante.

Afinal, em casa, há milênios o Atlético joga como nunca contra o seu rival de tom carioca.

E ontem foi outra prova disso: o magro placar era para ser goleada.

A escalação de um trio mais recuado -- Marcelo, Bady e Delattorre --, de um centroavante fixo e de dois volantes marcadores deixou o time muito diferente: melhor distribuído, o que torna o time equilibrado; melhor escalado, o que faz do time suficiente em cada canto do campo; e mais empenhado, o que faz de cada disputa de bola um lance de vida ou morte.

Enfim, o Atlético está melhor.

E, apesar de tudo -- e este tudo praticamente se resume à péssima gestão do Clube, em especial no que toca à formação do time e à sobrecarga em inúmeros jovens talentos --, o Atlético não cairá junto com os coxas.

Lamentável, entretanto, ver toda uma estrutura -- e toda uma massa rubro-negra, ainda alijada da Baixada -- refém de uma péssima condução do futebol, com profissionais de bastidores absolutamente incompetentes e desconhecedores do bê-á-bá do jogo, responsáveis por contratações e dispensas terríveis sob o aspecto técnico, desprezíveis sob a ótica estratégica, asininas sob a égide financeira e duvidosas sob a ordem ética.

Se no ano passado Paulo Baier, Ederson, Marcelo e Mancini tiram leite de lhama virgem de pedra, conduzindo o Atlético ao 4º lugar e à Libertadores, este ano, por insistente culpa e intransigência lógica da Diretoria -- que praticamente impede um raio de cair no mesmo lugar --, não se pode esperar sorte maior.

E permanecer na 1º Divisão será um feito, senão broxante, quase extraordinário.


 

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

# no bico do corvo


Falar em medo é estranho.

Pode-se ter medo de bicho, de bicho-gente, de lugar, de não-lugar ou de qualquer coisa que existe, que se conhece ou ainda que só se ouviu falar, ainda que nesse caso se torne um medo prévio -- eu, por exemplo, tenho medo de tamanduá, depois dos relatos experimentais de uma amiga bióloga, e de ir passar um verão na Faixa de Gaza, pois dela há notícias pouco alvissareiras.

Depois, pode-se ter medo do que não existe, do que não se conhece ou do que só se ouve falar no mundo da ficção ou da religião -- é o medo da morte, de fantasma ou da Cuca.

Na política, até 2002 tinha-se medo do PT.

Era puro preconceito, sacanagem bruta, pois ninguém podia dizer o que viria a ser um governo do Partido dos Trabalhadores.

Afinal, nunca antes neste país um partido de centro-esquerda assumira as rédeas da nação. E, ainda, tinha Lula lá, a insistir em debutar na chefia de um Executivo.

À época, uma atriz aparecia na tv e no rádio para dizer: "tenho medo".

Em vão, indo fundo na tese, a direita provocava um dos mais primitivos instintos humanos para tentar, sob um preconceito atroz, não perder as eleições.

Ora, com ter medo de algo que nunca houve, que nunca se viu e que nunca se ouviu falar? E como ter medo de algo não-metafísico, ou seja, de algo que pode ser objeto de prova -- no caso uma "não-prova"?

O funesto episódio passou. E Lula venceu.

Com ele, o fim do modelo neoliberal, do Estado mínimo e do Brasil sem políticas sociais, sem desenvolvimento e sem soberania. E o início de um Brasil para todos.

Hoje, doze anos depois, a tese do medo volta, conforme aqui predizemos.

Mas é outro medo.

Repagina-se no medo do bicho tucano.

Sabe-se quem é, sabe-se o que fez, sabe-se o que fará e sabe-se quem e o quê defende, pois faz questão -- honra lhe seja -- de não esconder o bico (v. aquiaqui, aqui, aqui, aqui e aqui).

Não por acaso, nunca os candidatos tucanos, pós-Lula, quiseram debater para comparar as gestões do PT e do PSDB.

Eles fogem dessa discussão, simplesmente, com o argumento infantil de não querer olhar o passado, como se pudessem desprezar aquela tese quase bíblica: "diga-me o que tu fizeste que te direi quem és".

Logo, neste momento o "medo" é real, lógico e imediato.

Afinal, já bem conhecemos o que estamos a ver, a ouvir e a sentir.

E num agouro que antes só os corvos apresentavam.


segunda-feira, 13 de outubro de 2014

# os anzóis


Um dos motes da ira transpirada pelos reacionários de plantão funda-se na ladainha de que o maior programa de transferência de renda do planeta -- o "Bolsa-Família" -- é um assistencialismo barato de compra de votos para manutenção do poder.

Antes, uma premissa irrefutável: este programa, por si só, não leva a nenhum outro lugar senão aplacar a fome -- é muito, claro, mas é paliativo e não-estruturante.

Ademais, é claro que não podemos ser ingênuos e achar que tudo funciona bem, maravilhosamente bem. E que não há o contingente de beneficiários vadios e prefeitos inescrupulosos -- essa turma, pois, é parte da nossa difícil condição humana, demasiadamente humana.

Porém ("ah, porém..."), ao cabo, funciona muito bem, como deve (e precisa) funcionar qualquer programa de proteção social mundo afora: mitigar a miséria, mitigar a dependência de caridade e a sensação de frustração e impotência sentida por esta ardida gente sem trabalho e sem perspectivas, que mendiga ou se escraviza.


É assim, por exemplo, que acontece nos EUA, com milhões de beneficiários do "food stamps" -- v. aqui.

E mais.

No caso do nosso "Bolsa-Família" -- lembremos que o programa é modelo de erradicação da pobreza, segundo a ONU  (v. aqui) -- ele difere dos tantos que há em razão de três das condicionalidades programáticas fundamentais: presença escolar, exames pré-natais e carnê de vacinação infantil em dia.

Aqui, portanto, tem mais eficácia pelo fato das famílias conseguirem com esse dinheiro desobrigar a criança a ir trabalhar para ganhar, em média, 168 reais no mês, e desobrigar o Estado a gastar tolamente em parte da saúde básica infantil (solucionada com as simples vacinas) e materna (com os exames pré-natais).

E, pela enésima vez, o programa foi esmiuçado pelo Governo Federal, a fim de confirmar o enorme preconceito existente sobre ele, conforme se pode ler aqui.

Logo, o que não dá, e o que nos causa náuseas, é a gritaria fascista da turma que, contaminada ainda pela branca cegueira daquele esplêndido "Ensaio" de Saramago, vê tais programas como desnecessários ou, pior, como estímulos à vadiagem, arrastando aquela ladainha de que o certo é "ensinar a pescar e não dar o peixe".

Uma balela de quem conseguiu "aprender a pescar" por já ter -- máxima regra -- os anzóis e a barriga cheia de peixe.

De quem não enxerga que uma coisa depende da outra: peixe e ensino, comida e educação, fome e anzol... elementos, pois, indissociáveis.

Pior, exaltam e se gozam quando veem o que rola na França (dois anos de seguro desemprego...), na Escandinávia (infindáveis bolsas, de tudo que é tipo, gosto, cor...) e nos EUA, mas detonam toda e qualquer iniciativa nacional.

"É populismo barato!", brada brava aquela gente.

Ora, mas é assim mesmo que o Estado também deve agir, com políticas para ao povo, populares e populistas, sem usar para esse a conotação pejorativa que por aí insistem.

E é por isso que, para continuar existindo, seja tão importante que junto às políticas sociais, especificamente no caso do Bolsa-Família, convivam duas presenças estatais, absolutamente fundamentais.

Primeiro, a "presença física", com salas de aula e professores e com centros e profissionais de saúde, dignos e competentes, vivos e presentes.

Depois, a "presença técnico-financeira", mediante programas (i) de microcrédito como incentivo aos micro e pequenos negócios -- e por isso o papel crucial dos bancos públicos, com juros subsidiados e regras flexibilizadas --, (ii) de fomento à agricultura familiar (PRONAF) e (iii) de educação técnico-profissionalizante (PRONATEC), todos absolutamente abandonados ou sucateados na época tucana.

Soluções nem tão simples, mas nem tão utópicas, inclusive porque já iniciadas.

Políticas de transferência de renda (articuladas e agregadas a outras, como é o caso, ou com condicionalidades, como também é o Bolsa-Família) são, assim, factíveis e devidas, em especial para o país que mais concentra renda do mundo e para a necessidade de acabarmos com a "armadilha da pobreza".

Basta termos coragem e competência para implementá-las, afinal, não se faz justiça e equidade sociais apenas dando 160 reais para um depauperado lar.

Assim como não se faz não dando...
fds

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

# caçador de corruptos


E o caçador de marajás do fim dos anos 80 se tornou o "caçador de corruptos" de 2014.

A exímia atuação da grande mídia, tatuando na testa de Dilma, Lula e do PT a propriedade exclusiva da corrupção, dentre outros fins e outras consequências, resultou, pari passu, na criação deste personagem, Aécio Neves, como se um mocinho de novela global num cenário de sci-fi.

Já dissemos aqui que corrupção não se combate com mera retórica, que não pode ser fulanizada e que tão-pouco é a desgraça brasileira.

A corrupção fetichizada, tal qual a grande mídia propaga, a reboque dos reacionários de plantão, objetiva desqualificar a política, visa a mostrar que a coisa pública ("res publica") não funciona e que a democracia, portanto, é um pastiche.

É óbvio que tal crime é um mal e que deve ser enfrentado com a máxima e incondicional firmeza, mas não por meio de um super-homem qualquer -- e, muito menos, por um de araque e sem qualquer envergadura moral para tal.

Ora, a corrupção deve ser tratada institucionalmente, com mecanismos de controle, apuração e punição que envolvam vários órgãos e todos os Poderes da República, como hoje já se começa a fazer -- mas que não se quer enxergar, pelo contrário, dissimula-se a questão.

Assim, esta lenga-lenga diária da grande mídia, atribuindo ao candidato tucano a pecha de imaculado conceição, além de ser caricatural e jocosa, é mentirosa.

Fingem, desavergonhadamente, que no âmbito do PSDB nunca houve e nem há malfeitos.

Que a sopa de alianças partidárias -- fio condutor maior dos casos de corrupção -- não está no PSDB, ampliada ainda mais agora, no 2º turno, com todos os "apoios" recebidos.

Que Aécio Neves é o novo, que nasceu ontem, em uma manjedoura mineira, sob o brilho de uma estrela cadente e ao redor de reis magos.

Fingem esquecer que o passado e o presente dele não são flores que se cheiram.

E que a políticas e as ideias do PSDB, de ontem e de hoje, são absolutamente decadentes.

Os tucanos, minha gente, só funcionam na tela da tv e nas manchetes dos jornais.

E nas rodinhas mágicas dos reis e rainhas da elite nativa (v. aqui).

terça-feira, 7 de outubro de 2014

# cheiro do ralo


E o Governo tanto demora a fazer que aí está o resultado.

Os tais manifestos de junho do ano passado (v. aqui, aqui, aqui e aqui), a reboque da direita, e o ódio de classe, figurado no "tudo menos o PT", eram retumbantes sinais da ameaça de perder a eleição presidencial, ainda que a concorrência fosse débil.

Primeiro, a turma que parou o país por algumas semanas de 2013, ao cabo, votou sim em projetos e senhores capazes de promover mudanças.

Mudanças para voltar no tempo.

Mudanças para bem-fadar Jair Bolsonaro (o deputado mais votado do Rio), Pastor Feliciano (o 3º mais votado de SP), Ratinho Jr. (o mais votado do PR), Lasier Martins (senador eleito no RS), Beto Richa (v. aqui e aqui) e Aécio Neves, só para ficar em alguns.

Toda uma turma que, flagrantemente, está a representar teses e programas do chorume da política, dos anos de chumbo, dos anos de chupa-que-a-cana-é-doce, dos anos que se pensavam guardados para sempre nas páginas tristes dos nossos livros de História (v. aqui).

Agora, vejam só, muda-se tudo para tudo voltar ao que era em priscas eras.

Reacionários, conservadores e neoliberais numa geleia geral que revela o quanto foi oportunista e safada a espetacularização daquelas manifestações. E quão vazias essas foram nos seus fins, pois Luciana Genro, Plínio Sampaio, comunistas e operários -- os profetas dos novos tempos, sabe-se lá o que queiram ser e dizer com isso -- continuaram a não ter votos.

A grande mídia, desregulada, alimentada e protegida como um mico-leão dourado, foi exímia ao colar na testa do PT a propriedade plena da incompetência e da corrupção, sem querer levar esse assunto para o debate sério e verdadeiro (v. aqui).

E com tamanha eficiência levou Dilma e o partido para o canto do ringue, apanhando muito, apanhando tanto quanto bastasse para que a população não se desse conta de que o Brasil, de 2003 para cá, é outro.

E de que há sim uma pessoa e um partido responsáveis por isso: Lula e o PT, bastante competentes neste propósito de tirar da fome e da miséria abjeta o equivalente a dois Chiles.

Mas, infelizmente, isso hoje vai se apagando a cada manchete sensacionalista, a cauda pauta negativa, a cada fato a dedo escolhido para desancar toda estes feitos, tudo sem um contraponto, sem uma resposta eficaz do Governo.

O PT, embora seja o maior partido político do Brasil, segue contraditoriamente acuado, sem comunicação, sem espaço, sem jeito e sem tempo para mostrar tudo o que bem faz -- não obstante as devidas críticas aos vários erros do mandato atual, como aqui (aquiaqui e aqui) já se disse, em especial pelo flagrante esgotamento deste modelo de commodities e consumo -- e então reagir.

Embora ainda continue com o maior número de representantes, perdeu espaço no Congresso Nacional. E embora tenha vencido o 1º turno, vê renascer do inferno a direita com os tucanos e seus canhões.

A bala de prata contra o maior partido da oposição -- a troika dos sistemas Globo, Veja e Folha -- seria a imprescindível  "Lei de Meios de Comunicação", que colocaria ordem no bandido mundo midiático, mas que está engavetada (v. aqui). Uma lei que no mundo inteiro já existe, menos por aqui, onde é vista como "censura", como "ditadura", como "cubanismo" ou como qualquer outra coisa que zombe para dissimular a verdade.

Mas, se ainda insistisse em não querer dispará-la, o Governo Federal ao menos deveria ter mexido na gestão da comunicação, criado e aperfeiçoado meios de dialogar e de se apresentar à população, como aqui e aqui já se explicou. E, ainda, deveria ter estancado o mar de dinheiro que, por meio das suas tantas empresas públicas, a cada ano despeja nas grandes redes em venturosas publicidades sem sentido.

Enfim, um vacilo atrás do outro.

Depois, na eleição presidencial, o voto em Aécio não é seriamente explicado, mas motivado pelo mais pueril (e juvenil) argumento: "não gosto" do PT, como se tratasse de um pudim, e "não gosto" da Dilma, como se fosse uma escolha de amiga de escola ou para miss simpatia.

Ora, em jogo está a discussão do Brasil, a discussão de um projeto de Estado e de ações políticas que está, qua sera tamen, transformando o país, bem ao contrário do retrocesso, da estagnação, da elitização e do vazio social dos programas pilotados pela direita de hoje e de sempre.

Ademais, eis então a verdade recôndita nesta onda conservadora (e reacionária) que vota no candidato do PSDB: o ódio de classes, o ódio de castas, algo bem mais sórdido, simples e direto do que tentar entender ou compartilhar do modelo neoliberal que escancara as políticas desse partido.

A imensa parcela dos 33% que votou em Aécio tem nojo de se ver no outro, tem ojeriza do convívio com quem não nasceu de sangue azul e nem habitou a casa-grande, mas que hoje pode estudar, viajar e conjugar o infausto verbo do pertencimento pós-moderno: consumir.

Uma gente que se indigna com o fato da senzala já não aceitar se servir como escravos domésticos, já não admitir perder direitos e já poder se enxergar, minimamente, como dona de cidadania.

Uma gente que tem pavor ao ver que seu país está a dar oportunidades de emprego, estudos, de cursos técnico-profissionalizantes, de microcrédito e na agricultura familiar a dezenas de milhões de brasileiros, e que isso é obra de um partido que na sua história, mais ou menos, sempre teve um lado.

Uma gente que não suporta um governo social e que se governa pelo lado esquerdo peito.

Que não aceita políticas públicas populares, populistas e para ao povo. 

Que não acredita na política, na república e na democracia.

Que tem chiliques ao perceber que o país deve ser de todos.

Afinal, para esta gente o Brasil não somos nós.