quarta-feira, 23 de julho de 2014

# desgraça


A elite brasileira é, no mínimo, engraçada.
 
Leonel Brizola  a histórica liderança política da esquerda brasileira – nela provocava singular medo, acusando-na de ser "a pior do mundo".
 
A "Carta Maior" publicou um texto singular, inspirador, que muito bem ilustra a elite nativa (v. aqui) e que mais ou menos caminha nos termos a seguir.
 
É que a elite brasileira gosta de ser elite, de mostrar que é elite, de viver como elite, de luzir como elite, de suar como elite, de ter sangue de elite nas veias. 

Entretanto, detesta ser chamada de "elite", principalmente quando associada a vários dos tantos problemas crônicos do Brasil  e isso, claro, é cômico.
 
A elite gosta de criticar e xingar tudo e todos  chama isso de "liberdade de expressão".
 
Mas a elite não gosta de ser criticada  aí vira perseguição, inveja, recalque, id (v. aqui).
 
Tudo meio que coisa de psicanálise; aliás, outra coisa que ela adora fazer para nunca se resolver, sublinhe-se.
 
Quando a elite esculhamba o país, é porque ela é "moderna", estudou nos melhores colégios e por isso sabe o que é melhor para todos nós.

Já quando alguém esculacha a elite, é porque quer transformar nosso país em uma Cuba ou numa Venezuela, dois países que a elite conhece muito bem, embora não saiba exatamente onde ficam, nem o que fazem, nem porque pensam (v. aqui).

Ideia de elite é chamada de "opinião"; ideia contra a elite é chamada de ideologia.

A elite abusa de roupas, relógios e carros a preços de ordenados e casas. Tem jatinho e helicóptero. Tem aeroporto particular, às vezes, pago com dinheiro público  é para economizar um pouquinho, pois a vida não anda fácil para ninguém (v. aqui).

A elite gosta de mostrar que tem classe, de dizer que os outros são sem classe e de enfatizar que no Brasil não há classes  e nem preconceito de raças (v. aqui).

Mas, quando alguém reclama da elite por ser esnobe, preconceituosa e excludente, é acusado de incitar a luta de classes  e de cores.

A elite encastela-se em bairro chique, fofo e limpinho, mas gosta de acusar os outros de quererem dividir o país entre ricos e pobres.

Afinal, convenhamos, o negócio da elite não é dividir  é multiplicar, exponenciar e sugar (v. aqui).

A elite é magnânima, amalgamada e mal amada.

Até dá aulas de como ter classe  diz que, para ser da elite, tem que pensar como elite.

E tem gente que acredita.

E que se afunda nos círculos, hábitos, gostos e consumos mais toscos e infames que existem: circunavega copos de vinho, encobre-se de marcas, lê Caras, se narcisa em colunas sociais – algo que, convenhamos, fica bem ali perto do fundo do poço  e se embabaca com a futilidade carnívora que vê no cotidiano da elite.
 
Não sabe, porém, que o principal, talvez único, atributo da elite é o dinheiro  o resto é detalhe.

A elite reclama do Estado, do Brasil, de tudo e sempre  não o ama, mas também não o deixa.

Imprestável, a elite pugna pela terceirização de tudo.

O gosto disso é tamanho que nas casas-grandes até a educação dos próprios filhos é terceirizada  deixam-nos, pois, para as amas.

E a elite queixa-se dos impostos, inclusive daqueles que ainda não foram criados, embora previsto na nossa Constituição - é o caso notório do "imposto sobre grandes fortunas", engavetado antes de todos os tempos.

E, vejam só, queixa-se mesmo dos que ela não paga. Sim, é que aqueles jatinho, helicóptero, iate ou jetski, mesmo não sendo tomates, mas "veículos automotores", não pagam IPVA  é o direito, meu caro.

Mas a elite, de queixo caído e em cansada homenagem aos mais pobres e à classe média  que não cansam de pagar muito mais tributos do que ela (v. aqui, mantém um gigante painel luminoso nos centros de várias cidades do país: o "impostômetro", sempre ao alcance dos holofotes diários da grande mídia.
 
Afinal, para a elite, o dever fundamental de pagar impostos é coisa de filosofia do direito.

A elite se diz acima da Política  e do bem, e do mal.

E vê na política e na democracia formas de alienação bolchevique.

Ademais, cidadania é mero consumo, ora pois.

A elite diz que é contra a corrupção, mas é ela quem financia a campanha, a vida e a alma do corrupto (v. aqui). 
 
É a elite que aceita superfaturar, que aceita licitar ilicitamente e que ano a ano sonega fortunas bilionárias, sob o colo morno do Judiciário leniente que invariavelmente afaga os colarinhos brancos e bem-cheirosos que clamam clemência (v. aqui)
 
E quando dá algum problema, finge que não tem nada a ver com a coisa e reclama que ninguém vai para a cadeia  sim, "ninguém" é o apelido que a elite usa para designar o pessoal preto e pobre que entope as células de cela-tronco (v. aqui).
 
A elite não gosta do Bolsa Família, mas insiste em dizer que tem bom coração, que faz o bem e que é do bem (v. aqui).
 
A elite diz que conceder benefícios aos extremamente mais pobres não é direito, é esmola. É uma coisa que incita o pecado da "preguiça" – e taca-lhe pau naquele discurso, com a velha ladainha descendo o morro da hipocrisia: "não pode dar o peixe, tem que ensinar a pescar..." (v. aqui e aqui). 

Mas, como num passe de mágica, quando a elite recebe recursos governamentais ou isenções fiscais, a "esmola" se transforma em incentivo produtivo e de consumo para o Brasil crescer  sem qualquer perfídia, é claro, já que a "gula" acreditam ser um pecado bem menor.
 
A elite gosta de levar vantagem em tudo, certo? Chama isso de "visão", de "Eu S/A", sempre ciceroneada pelos mais afamados e amorais causídicos do país.
 
E quando não é da elite, levar vantagem é lei de Gérson ou ranço do nefasto jeitinho brasileiro, um horror que adora propalar nas viagens que faz para Miami ou pelos clubs privés que frequenta na nossa terra.
 
Investir em servidor público e no aparato institucional é gasto público; pagar muito mais com os maiores juros da Terra ao sistema financeiro é "responsabilidade fiscal", fruto inclusive do xoque de jestão.
 
Mas quando um governo mexe no cálculo do dinheiro que é reservado a pagar estes juros, despreza superavits para fomentar o desenvolvimento e para mitigar a miséria e rompe com o capital vadio, aí é acusado de ser leniente com as contas públicas e de ser populista.
E eis que a elite comprou o avassalador livro de um francês intitulado "O Capital no Século 21" (v. aqui).
 
Não gostou, achou que era só sobre dinheiro e business até descobrir que o principal assunto era a desigualdade.
 
É que o climax do livro está no trecho onde se revela que as 85 pessoas mais ricas do mundo controlam uma riqueza equivalente à da metade da população mundial  ou seja, 85 seres humanos têm o mesmo dinheiro que 3,5 bilhões de pessoas juntas.
 
E a elite, enfim, não parece ter achado isso engraçado.