Na "marcha da quarta-feira de cinzas", Vinícius cantava que acabara o nosso carnaval, que ninguém mais ouvia cantar canções e que ninguém mais passava brincando feliz.
E que no coração o que restara eram saudades e cinzas.
Hoje, nesta noite soturna de terça-feira, pelas ruas de Copacabana pessoas murchas vagam como se velassem um ente querido.
Atropelado e depois espancado com ares de requinte e crueldade, o defunto está irreconhecível, dilacerado, atassalhado.
A lembrança é dos seus bons tempos, da ginga, da magia, da improvisação, do balacobaco, do chegar ao topo por meio de pernas tortas, de crioulos benditos ou de gênios indomáveis.
À mente vem a memória de um reinado que se esperava eterno -- como, afinal, toda dinastia pressupõe.
Mas ele se foi, perdemos o trono e recusamos a enxergar que tudo -- inclusive ele -- mudou.
E agora este martírio, neste velório simples de alguém que já perdeu a majestade e que hoje já não se impõe, e hoje já não é modelo, e hoje já não arromba de alegria a retina de quem vê.
O fim foi amargo, azedo, ácido, acre, como jamais visto.
E o clima é triste, como poucas vezes se viu.
Agora chove a cântaros, como no inverno do Rio de Janeiro não se costuma ver.
Uma chuva que não nos lava a alma, mas serve para mascarar as lágrimas da maior humilhação sofrida pela nossa máxima expressão cultural.
É a decadência acachapante de alguém que já foi o maior de todos, iludido por um "vamos que vai dar" sem pés e sem cabeças, e que agora dói.
E assim, nesta noite fria e molhada, em cada esquina desta minha via sacra de volta para casa o futebol brasileiro é velado.
Espera-se a sua ressurreição.
Mas não no terceiro dia.