segunda-feira, 31 de março de 2014

# o baú da verdade sufocada


E os jornalões estampam nas manchetes os 50 anos do Golpe que ajudaram a dar.

Como diria Eça de Queirós, trata-se de má-fé cínica ou obtusidade córnea.

Todavia, bem se sabe que obtusa esta massa não é.

Logo, é cinismo de uma gente que ousa tratar os vinte e um anos de trevas (1964/1985) como um "escorregão", um "vacilo", tal qual, no seu íntimo, devem conceituar os anos todos de escravidão e de casas-grandes país adentro, por exemplo

E, pior, de uma gente que acredita que o obsequioso silêncio do Executivo, a claudicante atuação do Legislativo e os salomônicos passos de siri do Poder Judiciário acerca dos crimes promovidos pelo Estado ditatorial brasileiro são meras contingências do "pacto republicano" (sic), indispensável para a retomada da nossa ordem democrática.

Logo, a mando dos militares e da elite burguesa de plantão – os senhores do golpe civil-militar e daquela ditadura –, os grupos midiáticos defendem, com a sutileza que lhes convém, a perenização do acordo, cujas rédeas nos acorrentam ao passado de reticentes sombras.

Ora, o Brasil precisa, sim, exumar aquele período, abrir as valas hermeticamente fechadas dos esgotos dos nossos anos de deteriorada existência institucional para fazer exalar o cheiro daquela democracia torturada, morta e sepultada.

Ainda, a torta e viciada "Lei de Anistia" não pode continuar servindo de impeditivo à cicatrização de todas as feridas que aqueles funestos anos provocaram, sob uma interpretação convenientemente poética do STF (v. aqui).

Aprovada em 1979 por um Congresso desnacionalizado, a funcionar como fantoche de civis e milicos nauseabundos, a Lei de Anistia continua a impedir o julgamento de acusados de crimes cometidos durante o período ditatorial (tortura, sequestro, assassinato etc.), o que, para variar, confirma a nossa tradicional reputação de país da impunidade.

É claro que mudar a tal Lei é mais simples do que parece, como inclusive a maioria na América Latina já fez – tal qual os países europeus acometidos pelos regimes fascistas pós-Guerra , razão pela qual apenas o nosso espírito de "homem cordial", para dizer o mínimo, pode justificar a primeira decisão do STF (em 2010) de não revisar a lei, passando por cima de qualquer ordem justa e moral e tergiversando, como se rancor ou revanche estivem na pauta jurídica.

Não custa lembrar: a Corte Interamericana de Direitos Humanos, a se manifestar sobre a "Guerrilha do Araguaia", decidiu que o Estado brasileiro deve processar (e punir) os responsáveis por violações aos direitos humanos durante a ditadura  ora, não se exige superpoderes exegéticos para entender que a sentença desse órgão internacional é extensiva a todos os crimes cometidos durante a ditadura.

Assim, deve o Governo brasileiro, por intermédio da "Comissão da Verdade", deixar de ter um atuação de bom menino, de politicamente (in)correto, de transmissora de mensagens e campanhas de paz&amor, para definitivamente, encampar um projeto de lei que revise, altere e acabe com a nefasta Lei de Anistia.

Chega de filminhos sobre aqueles anos, chega de discursos lacrimejantes sobre aquela época e chega de passar a mão na cabeça de quem tanto nos negou o sangue forte da liberdade e da igualdade. 

Enfrente-se o Congresso, seus barões e seus canhões; arroste-se os Tribunais e toda a sociedade conservadora que diuturnamente ultraja o progresso (e que sonha com milicos e salazares, como este português fascista que encontrei aqui); e, finalmente, se exponha à sociedade os retratos de quem não quer resolver este nosso passado de chumbo.

Afinal, é evidente que passar a limpo a nossa história exige preencher esta lacuna, urgentemente, abrindo o baú para se resgatar a verdade tanto sufocada e promover o processo e a condenação de todas aquelas pessoas ligadas ao lado canalha da força golpista.

Ainda que nas respectivas testas já se possa colar, desde sempre, a dívida moral que elas têm com o Brasil. 


quarta-feira, 26 de março de 2014

# atleticania (xiii)


O Atlético jogará 40 dias e 40 noites e não ganhará dos argentinos do Vélez Sarsfield, poderia assim descrever um personagem bíblico.

Mas não sejamos injustos: o rubro-negro não jogou mal.

Afinal, um time que cria ao acaso e joga no lixo quatro reluzentes, absolutamente reluzentes, chances de gol, afora tantas outras menos claras, não pode assim ser criticado.

Porém, por outro lado, jamais poderá querer sair vivo da batalha assim desperdiçada, ainda mais contra um adversário tão bem selado, registrado e carimbado em Copas Libertadores da América, com bons atletas e um bom esquema.

Acontece que uma coisa é não ter jogado mal, em uma singela evolução tática – méritos, se possível, ao nosso técnico, que parou com pirofagias para tentar construir o óbvio com a mão-de-obra disponível , outra coisa é ter jogadores ruins e que sempre jogarão mal, fiéis merecedores do ocaso eterno.

E isso tudo é meio lógica, é meio matemática, e por isso não se venha querer falar em sorte.

Repitamos, pois, o que aqui e aqui dissemos: o que esperar de um time que se apresenta com Suéliton, Cleberson, Dráusio, João Paulo, Paulinho, Mirabaje e, agora, este Bruno Mendes, senão o absoluto fracasso, o nada, o zero, tudo arredondado em números nada complexos? E, para tornar tudo ainda mais caótico, numa noite em que Weverton e Éderson não estavam nada bem...

Bem, hoje, Dia Estadual do Clube Atlético Paranaense (v. aqui), é o nosso aniversário de 90 anos.

E como de polacos nosso povo curitibano também é feito, acredito que a festa não durará somente 1 dia.

Portanto, amanhã à noite, na outra partida do nosso grupo, prevejo que os bolivianos viajarão e, contra o vento peruano, não ganharão.

Será o nosso presente, de novo oferecido por aquele grande amigo, o Sr. Imponderável de Almeida (v. aqui).


domingo, 23 de março de 2014

# atleticania (xii)


Hobbes dizia que a racionalidade está a serviço das paixões – e eu, pois, entre paixão e razão, sou mesmo um inveterado apaixonado.

Enquanto um canal apresentava o maior clássico do mundo globalizado, outro transmitia o time do coração no burlesco torneio estadual.

Enquanto Real Madrid e Barcelona desfilavam os maiores jogadores do planeta, um renascido Paraná Clube  um morto-vivo que acabou como líder da primeira fase da gigante liga regional  enfrentava o Atlético e o seu time de pós-adolescentes.

Enquanto em Madrid tudo tinha as credenciais de um espetáculo de gala, em Curitiba a disputa na Vila Capanema  de torcida única e às moscas  era feia, quase marginalizada. Além disso, era mal narrada e toscamente comentada, tudo sob a névoa cinza da cidade. E, pra completar, o horroroso uniforme do Paraná, a cara sofrida dos seus atletas sem salário há meses e um técnico de cachecol num ar subtropical.

Mesmo assim, meus senhores, não tive dúvida: na tv, acompanhei o meu time.

E não pelo jogo, que pouco valia, e não pelo torneio, que nada vale, tão-pouco pelas joias em potencial que se apresentam com o manto rubro-negro, que são poucas  era, sim, pelo meu clube e seu jogo eliminatório.

É claro que o Atlético não entra num campeonato para perder; o Atlético, apenas, dá o devido valor a ele, neste caso mandando a campo uma piazada e sob outra perspectiva, fazendo desse "Ruralzão" uma simples e eficaz "peneira", uma serra pelada em busca de algum ouro bruto encravado nos treinos do CT do Caju.

O objetivo, portanto, é este  e talvez quem ainda não entenda isso é porque consegue ver algum sentido nestes jogos regionais, uma via sacra descabida e despropositada para um ideal de profissionalismo e de alto nível que o futebol exige. 

Ganhar, claro que sempre é bom, mas nesta coisa aqui o foco é outro.

Embora ter ganho de um Paraná Clube, mesmo sob as lentes de jogadores na fase juvenil da vida, seja sempre obrigação.

No final, ficou aquela sensação de que vi um filme B de terror: em um panorama trash, o mocinho mata os zumbis e sai de cena aos risos.

E, ao fundo, aquele som chocho e esganiçado de um punhado de gralhas-azuis.


quinta-feira, 20 de março de 2014

# aspas (xli)

 
João Pedro Stédile, um dos maiores nomes mundiais na questão da terra e da reforma agrária e um dos coordenadores do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e da Via Campesina – v. aqui –, afirma não ser a Copa do Mundo no Brasil o momento para mobilizações, por mais razão que tenham os protestos contra os gastos para a organização do torneio e pela presença da FIFA.
 
Para ele, é importante as manifestações o quanto antes, e o pior momento seria justamente durante a competição – afinal, o inimigo é outro:
 
   "As mobilizações, mais do que bem-vindas, são necessárias, para seguirmos mudando o país, para termos mais o Estado a serviço do povo. Mais recursos para a educação, saúde.
   Nenhuma mudança social ocorreu, na história da humanidade, sem que tenha havido mobilização popular. 
   Em relação ao calendário, torço para que as mobilizações de rua comecem logo, pois no período da realização da Copa vai confundir a cabeça do povo, que quer ver a Copa e pode reduzir as mobilizações como se fossem apenas protesto pelo dinheiro gasto nas obras.  
   (...) Acho que Copa é que nem carnaval. Alguém vai marcar mobilização durante o carnaval?
   É besteira politizar certos períodos (...) O dinheiro que foi gasto nos estádios, em torno de 8 bilhões, claro que poderiam ser melhor aplicados, porém, eles representam apenas duas semanas do volume de recursos que o governo passa para os bancos. Então, a cada duas semanas temos uma Copa do tesouro nacional para os bancos.
   E esses são os nossos inimigos principais, que precisamos denunciá-los e derrotá-los, dentro e fora do governo" (v. aqui e aqui).


terça-feira, 18 de março de 2014

# quando a alma não se apequena



Há momentos na vida em que se aprende como nunca.

São lições de gratidão, de dedicação, de amizade, de humildade e de sabedoria que em nós se perenizam.

E esta noite de terça-feira  como convidado para estar na "Academia Brasileira de Letras Jurídicas", em sessão solene para a posse do paranaense Luiz Edson Fachin como mais novo "acadêmico" (cadeira nº 10, de Rui Barbosa) e para as condecorações de membro honorário ao português António José Avelãs Nunes  foi um desses momentos, tamanha a grandeza dos discursos por ambos proferidos na cerimônia.

Prof. Avelãs, da Universidade de Coimbra, é uma das maiores vozes de uma outra Europa,  hoje esvaziada do pensamento crítico, social e humano. É um dos maiores jus-economistas portugueses, intelecto eminente da Economia Política e um trilhar político-científico que faz invejar a sua nacionalidade (e me honrar com sua amizade).

Prof. Fachin, da Universidade Federal do Paraná, é um dos grandes orgulhos do meu Estado, árido de expoentes nacionais. É um dos maiores juristas pátrios, mente brilhante do novo Direito Civil e com uma trajetória acadêmico-intelectual que faz galhardear a conterraneidade (e que tive o prazer de conhecer).

Mas não são estes atributos o que mais importa, como aqui já se poderia confirmar.

Títulos, prêmios, cátedras, livros, tudo fica à margem de quem são, do que fazem e de como fazem.

Sim, porque estes dois senhores, mais do que singulares pensadores do Direito, são grandes homens, plurais e que idealizam o coletivo.

Hoje, vendo-lhes nas suas narrativas apaixonadas  daquelas que vêm da pura alma do bem-fazer e do bem-viver e de quem têm a ética como prumo e o social como horizonte , recrudesce o nosso sentimento de que a vida deve ser simples e vale simplesmente por isso.

Não por acaso, ao trazerem da memória o valor das suas origens, o conteúdo afetivo dos que sempre o cercaram, e, principalmente, o papel dos respectivos pais em suas histórias e em suas formações, as palavras vieram esculpidas em lágrimas, absolutamente sinceras, caídas com o orgulho de quem ali chegou de pé e pelas meritórias mãos do afago materno e do suor paterno.

Vê-los se declararem às ciências humanas, à humanidade e à família foi daquelas provas de que é no navegar destes homens que o mundo merece seguir.

Um navegar simples, cuja bússola é o amor.



domingo, 16 de março de 2014

# segundo domingo


É tempo de caminhar.

Caminhar em silêncios, em jejuns, em reflexões.

É tempo de peregrinar do homem velho para o homem novo, de sair do cômodo espaço neutro, de reafirmar com os nossos atos as promessas diuturnamente feitas.

É tempo de atitudes.

E ano a ano o momento quaresmal chega para que acreditemos nesta mudança, nesta renovação e no poder máximo de renascimento.

É a nossa via sacra, cujo sentido de dor, de sofrimento e de penitência bate em nossos olhos, ou em nosso interior, a toda hora em que se escancara a injustiça e o desespero alheios.

Mas não nos apeguemos ao mero sentido disso – e passemos a agir, tomando as nossas cruzes para, à luz da fé e resistindo ao desespero e às tentações, aprender a ser como Ele é.

Sim, não é fácil enfrentar um tempo cujo templo é marcado pelo mercado, por propostas estimulantes de ebrioso consumo com requintes de crueldade e esbanjamento nas quais, exclusivamente, se acredita ser

Há uma insaciável febre do inferno em fel de ter, como alter ego da autoafirmação (espelho, espelho meu) e da vitrine social (o meu espelho), induzida pela força pertinaz da mídia e a sua doutrina onisciente do certo e do errado, que elitiza os comportamentos, enrijece a sociedade e exulta o individualismo. 

Um apego exagerado que faz enxergar o vazio da vida, criando um fosso entre espécies de seres humanos, num abismo sem fronteiras e em nosso quintal (v. aqui).

Dividir, repartir, partilhar, comungar. 

Deixemos de nos refugiar em desculpas, e na desculpabilização do dinheiro, que confortavelmente nos alienam em redomas intocáveis e acortinadas para, então, ver sobrar paz, saúde e felicidade. 

E alcancemos este sonho de mundo: uma imensa mesa, em torno da qual todos se sentarão, numa mesma altura, num mesmo propósito – e, nas palavras de Paulo, "esperança não decepciona" (Rm 5,5), deve dar sabor para a vida, coragem para a luta e determinação para vencer. 

Afinal, por que será que nos custa tanto aceitar o Evangelho e entrar nesse reino?


sexta-feira, 14 de março de 2014

# atleticania (xi)


Não há exagero algum, meus senhores: ao lado da mulher barbada do Circo Vostok, na noite de hoje se viu uma das coisas mais feias desta vida.
 
Os noventa minutos da vitória do Atlético, fora de casa, com gol contra, contra este time do Peru, foi daquelas apresentações de circo dos horrores, daqueles eventos clandestinos proibidos para menores, daquelas imagens de esquinas escuras de centro com damas rampeiras de quinta, daquelas cenas de documentário do Discovery em que magras e decadentes hienas destroçam os restos de gnus fazendo explodir sangue e vísceras na tela da tv.

Um cenário de provocar medo.


Mas, além disso, ao empurrar ladeira abaixo um bando de borrachos, o Atlético  de novo com três das suas máximas feridas em campo e com o Calma Cocada no banco (v. aqui causou pena e fúria.
 
Pena, porque até se percebia no semblante esforçado de alguns a tentativa de tentar bater uma bola com dignidade; e fúria. porque tantos outros desprezavam o óbvio ululante exigido para uma partida de Copa Libertadores da América (v. aqui).

Ora, o que a legião de Suéliton, Cléberson, Deivid, João Paulo, Paulinho, Bruno Mendes, Éderson, Coutinho e, claro, Mirabaje, errou no jogo de hoje, em doses industriais, não é digno da nossas cores e do esporte profissional. 

Múmias paralíticas, peças frágeis, ínguas modorrentas, um amontoado inapto que, a jogar contra uma brisa seca, suave e inofensiva, parecia se esmerar para deixar tudo zero a zero. 

Um jogo em que, sem muitos esforços, um onze qualquer ganharia por meia dúzia, seguiu amargo e melancólico até o final, num deserto de lambanças, de torpeza e de ingratidão à bola, tudo sob os olhares nervosos de todos os fantasmas incas que habitam aquele estádio, o maior da América do Sul. 
 
Ainda que neste período quaresmal, qualquer, repito, qualquer time não teria piedade e misericórdia para atropelar, sem dó, aquele grupo fantasiado de jogadores, uma verdadeira trupe de lhamas virgens que entrou em campo apenas por questões de formalidade contratual e que, num misto confuso de inépcia e infortuna, não conseguia acertar dois – dois (!) – míseros lances consecutivos. 
 
Foi, meus senhores, uma vergonha, um ultraje ao futebol o que se viu na noite desta quinta-feira em Lima, capital peruana.

O rubro-negro não jogou absolutamente nada, em um jogo que só ele jogou.
 
Por isso, do jeito que foi, se minimamente justo, deveria o Atlético devolver estes três pontos.
 
Afinal, ao menos assim ficaria em paz com os deuses do futebol, que não costumam perdoar traições.


quarta-feira, 12 de março de 2014

# acode, acode, acode


E, que coisa, uma parte da parte da parte de uma pequena parte de parte do castelinho brasileiro resolve desenterrar a cretina "Marcha da Família com Deus pela Liberdade", um dos berços esplêndidos do Golpe que levou o país às trevas, e ir às ruas (v. aqui e, acreditem se quiser, aqui).

Nesta linha, agora a imaginação vai um pouco menos longe para clamar, sim, por "marchas" muito mais dignas, mais honestas e mais verossímeis...

Marcha da Família Flintstone com Barney pela Permanência na Idade da Pedra.

Marcha da Família Trapo com Ronald Golias pela Avacalhação Geral da Nação.

Marcha da Família com Deus e o Diabo na Terra do Sol.

Marcha da Fat Family com Coxinhas pelo Catupiry.

Marcha da Grande Família com o Agostinho num Táxi pelo Méier.

Marcha da Famiglia Mancini com Ravioli al Pesto pela Emilia-Romagna.

Marcha da Família Addams com a Mãozinha pelo Retorno do Tio Fester.


Marcha da Família Lima com Todo Mundo Tocando Violino pelas Nuvens de Algodão.

Marcha da Família Walton com Boa Noite, John Boy!

Marcha da Família Dinossauro, não é a Mamãe, pelos Homoafetivos.

Marcha da Família por Deus, pela Pátria e pela Coca-Cola.

E, por fim, a "Marcha da Família Soldado", com cabeças de papel, avisando que quem não marchar direito vai preso pro quartel.

Afinal, para esta gente, não há outra engrenagem senão a marcha à ré.

E uma única direção: para longe da democracia. 





terça-feira, 11 de março de 2014

# desassossego


Assombra a Europa e o Norte global, em geral, um sentimento de exaustão política e intelectual que traduz em uma incapacidade de enfrentar, de modo minimamente inovador, os desafios da justiça social, econômica, ambiental, cultural e histórica que interpelam o mundo (desenvolvido e em desenvolvimento) nas primeiras décadas do séc. XXI.

Razão pela qual é do Sul de onde se espera, na sua imensa diversidade, a proficuidade de planos e propostas, de modo a se assumir como o mais promissor ente inotrópico global e o mais fértil campo de inovação política, econômica e social.

E sob estas inquietações surgiu o projeto "Alice" (v. aqui), comando pelo Prof. Boaventura de Souza Santos, da Universidade de Coimbra, e financiado pelo Conselho Europeu para Investigação, com o fim de pensar, discutir e propor alternativas institucionais, políticas e econômicas para estes nossos novos (e necessariamente novos) tempos – na esteira, inclusive, do que está a propor o Prof. Carlos Sávio Teixeira, no Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFF.

Deste projeto de ideias, colhe-se no programa os ensaios denominados "Aprendizagens Globais - Conversas do Mundo", cujo propósito é, literalmente, rodar o planeta com o objetivo de (re)pensar todo este estado das coisas para desenvolver novos paradigmas teóricos e políticos de transformação social.

Deles, trago a conversa do Prof. Boaventura com o Gov. Tarso Genro, um dos importantes "intelectuais orgânicos" do Brasil – ao menos no sentido de altitude de voo (Prefeito, Governador e Ministro de Estado) –, na qual se percebe, claramente, que na hora em que a porca torce o rabo o buraco é mais embaixo.

E, mais uma vez, não obstante as diversas ideias em construção no Rio Grande do Sul, basta querer ver para reparar a quantos anos-luz o Partido dos Trabalhadores (PT) está de promover uma revolução institucional, de construir reformas políticas, econômicas e sociais que efetivamente rompam com as lógicas do cruel sistema vigente.

Como também restam absolutamente claras as profundas dificuldades da práxis acompanhar o discurso teórico e as soluções acadêmicas, apresentadas com mais ou menos profusão, com mais ou menos criatividade, com mais ou menos praticidade mundo afora.

Ao cabo, Tarso Genro dignifica seus altos cargos ocupados e a sua intelectualidade "um político satisfeito é um político medíocre", ensina ele , mas vê dificuldades em suportar as indagações acerca de uma conjuntura perfeitamente estraçalhada por Boaventura.

E nestas lições de um desassossego coletivo, o nosso Brasil ainda parece muito sossegado.


theo̱ría & práxi̱


segunda-feira, 10 de março de 2014

# peste bubônica


Beto Richa é o pior governador da história moderna do Paraná.

Esqueçamos, claro, todo aquele pessoal que governou um Estado ainda impúbere, por poucos meses, sem tempo e sem muito propósito de fazer alguma coisa – e só entre 1853 e 1900 foram mais de cinquenta (v. aqui).

Excluamos também aquelas figuras insólitas, aristocráticas – em cujas fotos oficiais invariavelmente posavam de fraque, relógio de bolso e cavanhaques , viventes de um país semicolonial, com um Paraná quase-comarca e cujos mandatos não se podia muito bem avaliar.

E, por fim, por óbvio deixemos de lado a turma de plantão indicada pelos milicos ou pelo governo central, em regra formada por paus-mandados logicamente incapazes de qualquer ato de autonomia, de enfrentamento e de promoção do interesse público.

voilà, temos o nosso Bebeto, de autêntica cepa demo-tucana, encabeçando a lista do pior de todos os tempos – v. aqui e aqui do que ele se (de)compõe.

O Paraná, meus caros, parou e desceu a ladeira, a restar abandonado num canto central do país, tudo fruto e arte da negligência, da imprudência e da imperícia de Beto Richa e sua trupe.

Um mandato cretino, um oco político e um vendilhão da alma e do sangue da coisa pública paranaense, basta ver hoje a nula presença do Estado como fonte de alternativas políticas no cenário nacional.

Uma gestão enfadonha, um despreparo pungente e um retumbante fracasso em qualquer área, em especial na economia e no trabalho, basta ver hoje os flagrantes números da indústria e do emprego.

Uma administração separatista, um andejo que meteu a pique todas as políticas sociais e que ignorou as áreas carentes do interior e da periferia da capital, basta ver hoje a abandonada realidade dessas regiões do Estado.

Beto Richa foi tão incompetente, mas tão incompetente, que nem mesmo implementar a cartilha do PSDB e seguir o evangelho liberal – "Estado não é nada, o mercado é tudo" (v. aqui– ele conseguiu.

Não conseguiu, mas, sejamos justos, até tentou levar a cabo as suas ideias – e as ideias da sua gente – de acabar com Sanepar, Copel, florestas, agricultura familiar... e de reduzir a pó a rede de hospitais regionais, as universidades estaduais, as micro e pequenas empresas e o aparelho policial, entre outras tantas coisas.

Pensando bem, o menino Richa consegue o prodígio de se encaixar naqueles dois grupos café-com-leite lá em cima indicados.

Afinal, foi um pau-mandado dos grandes interesses de classe, que nada fez no tempo que teve a não ser aparecer posando grácil para as colunas sociais da aristocracia curitibana que insiste em se aquartelar numa época medieval.


domingo, 9 de março de 2014

# malfazendo-se


Denso, complexo, completo.
 
“Breaking Bad” é um exemplo impecável da televisão como forma de arte, distante do propósito chauvinista de poder ou de império do lixo cultural alienante que costumam caracterizá-la.
 
E, desde já, um filme em bem longa-metragem. 

Pois é, encare-o assim, como um filme com aproximadamente 50 horas de duração, repartido em 63 capítulos de singular brilhantismo – é cinema, meus caros, a sétima arte em estado puro (e bruto).
 
Atores e atrizes esplêndidos, em torno de um protagonista (Bryan Cranston) cuja atuação, sem exagero, talvez seja a melhor que vi de alguém na vida – e esta opinião não é só minha, v. aqui a carta aberta de Anthony Hopkins sobre Bryan e a série –, não são os únicos detalhes desta obra-prima. 

É que o modo como "Breaking Bad" trata o ritmo da trama constitui um dos elementos cruciais da sua genialidade: recua quando você acha tudo irretroativo, avança em momentos para bricolagem do telespectador, talha caminhos para que juntemos os cacos, abre reticências para que finalmente pontuemos e se farta de flashbacks ou flashforwards de forma fabulosa.
 
Estilizada visualmente, com um fascinante jogo de cores e intensas rimas visuais com simbolismos propostos cirurgicamente, uma fotografia esplêndida que emerge cada situação em brilhos ou trevas e mergulha cada personagem em luzes ou sombras, criativos truques de câmera e vertiginosas capturas de cenas com locações que arrombam a retina – quase tudo acontece em Albuquerque (Novo México, EUA), local que, efetivamente, também é um personagem –, embebidos em um primoroso design de som e em composições de uma trilha sonora irritantemente primorosa que cola em segundos na alma de tudo o que mostra. 

E mais.
 
Sem perder o fôlego, um roteiro fechado no qual todas as ações e direções têm uma justificativa, com pontas muito bem conjugadas, arcos de enredo milimetricamente arranjados e diálogos arrebatadores e que vão direto ao osso, apresentados por figuras construídas para serem humanamente possíveis, sempre a dizer o que precisa se dizer ou a não dizer o que merece eloquentes silêncios.
 
Há negrura, azedume, ternura e vingança. 

Há orgulho e preconceito. 

Há dependência e redenção. 

Há desespero e solidão. 

Há tensão aguda e risos sinistros. 

Há uma angústia avassaladora ao fim de cada capítulo.

E há um alívio viciante a cada recomeço.

Enfim, tudo faz desta saga psíquica do genial e fosco professor de química Walter White – e do seu alter-ego Heisenberg, cuja intensa ambiguidade faz corar Mr. Hyde e Dr. Jekyll – um trabalho absolutamente irrepreensível. 
 
Assista.
 
E não porque "Breaking Bad" recheia-se de todos estes atributos tecnicamente perfeitos.
 
Assista, simplesmente, porque é um sublime entretenimento.
 


"Ezequiel 25,17" (ou, breaking bad)