Odemir Gava, meu pai, é um homem de muitos causos.
Sempre saca da manga alguma história pitoresca sobre figuras dos tantos rincões do Brasil por onde viaja.
E, invariavelmente, ele mesmo é um destes personagens.
Hoje, no seu aniversário de 60 anos e para o qual preparamos um grande furdunço na Casa, quero contar uma destas histórias e da qual fiz parte.
Como o maior companheiro de sempre, é notória a presença dele na minha vida, em tudo.
É, em especial, bem conhecida a participação do meu pai na minha vida esportiva da juventude, tanto no futebol de salão, como, em especial, no basquete.
Ia a todos os jogos, frequentava treinos, às vezes viajava junto, era amigo de meus treinadores e companheiros, cobrava dedicação e desempenho, conhecia os adversários.
E conhecia os árbitros, claro.
Sendo assim, embora jamais tivesse tido intimidade com a "bola laranja", sabia muito bem o que rolava dentro e fora das quadras.
Estávamos em 1993, semifinal do Campeonato Estadual juvenil de basquete: Santa Mônica, o famoso clube da capital que à época montava grandes times de basquete, e Maringá.
Era uma "melhor de 3", com um jogo no interior e os dois jogos seguintes em Curitiba, por termos a melhor campanha.
No jogo da ida, num sábado à noite, com o Ginásio Chico Neto lotado, vencemos.
Jogamos bem, fui o cestinha ("às favas, a modéstia") e lembro bem de um grande parceiro, Vinícius Bollauf, que também arrebentou com o jogo.
O jogo da volta foi marcado para o Ginásio do CEFET -- o Santa Mônica não tinha um ginásio próprio e éramos ciganos pelas quadras curitibanas --, ali na Silva Jardim, numa noite fria de quinta-feira.
Tudo indicava uma nova vitória.
Meu pai, claro estava lá: saído do trabalho, de calça, camisa e sapatos sociais -- sapatos, diga-se, que sempre são com taco na sola, nunca borracha: "sapatos bailantes", ele sempre enfatiza).
Antes do jogo, na preleção, o nosso grande treinador Fernando Sanches deu o alerta: um dos árbitros escalados para o jogo era uma conhecida e cretina figura do interior do Estado e que a vida toda tentou nos foder.
O jogo começa.
E tudo começa a melar.
O tal árbitro segurava o apito nos nossos ataques e deixava-o frouxo nos ataques da equipe de Maringá.
A torcida começava a se irritar.
Para nós nada era falta; para eles, tudo.
Contra mim, em particular, era vale-tudo.
Roubo e sacanagem explícitas.
E a irritação aumentava.
Terminamos o primeiro tempo atrás no placar e eu com 3 faltas e meia dúzia de pontos.
Na volta do intervalo, de cara o árbitro apita outra falta minha.
Mais uma e eu estaria eliminado do jogo.
Sento no banco.
E a irritação aumentava cada vez mais.
O clima era terrível.
Perdíamos o jogo e o assalto continuava.
Faltando metade do segundo tempo, retorno à quadra e no ataque seguinte ele apita minha "falta de ataque".
Estou fora!
Foi o estopim.
Meu pai todo piuchado, de modo tresloucado, salta da arquibancada.
Na verdade, ele voa: a altura entre ela e a quadra é de uns de 3 metros.
Ao aterrissar, desequilibra-se por conta dos sapatos (e da altura, claro), torce o pé, sai mancando à caça do árbitro, dá-lhe um direto no queixo e parte pra cima com pontapés aleatórios.
Começa a confusão.
As comissões técnicas e jogadores se digladiam, árbitros e mesa saem para o vestiário, surge a turma do "deixa disso" e os dois PMs que faziam a "segurança" do jogo enfim entram em quadra para dar um basta.
Meu pai é gloriosamente levado para fora do ginásio, aplaudido pela torcida.
Eu e mais três jogadores somos expulsos -- coincidentemente, dois jogadores do banco do Maringá... -- e o jogo reinicia.
Nós acabamos perdendo e a arbitragem pede escolta policial para sair.
No carro a caminho de casa, meu pai é mudo.
Suspenso, não pude jogar o jogo decisivo, no sábado.
E perdemos de novo.
No sacrossanto churrasco de domingo, meu pai enfim rompe o silêncio para repetir a sua icônica frase:
- "Que situação..."