quarta-feira, 5 de março de 2008

# o voo do bigode


Odemir Gava, meu pai, é um homem de muitos causos. 

Sempre saca da manga alguma história pitoresca sobre figuras dos tantos rincões do Brasil por onde viaja.

E, invariavelmente, ele mesmo é um destes personagens.

Hoje, no seu aniversário de 60 anos e para o qual preparamos um grande furdunço na Casa, quero contar uma destas histórias e da qual fiz parte.

Como o maior companheiro de sempre, é notória a presença dele na minha vida, em tudo.

É, em especial, bem conhecida a participação do meu pai na minha vida esportiva da juventude, tanto no futebol de salão, como, em especial, no basquete.

Ia a todos os jogos, frequentava treinos, às vezes viajava junto, era amigo de meus treinadores e companheiros, cobrava dedicação e desempenho, conhecia os adversários. 

E conhecia os árbitros, claro.

Sendo assim, embora jamais tivesse tido intimidade com a "bola laranja", sabia muito bem o que rolava dentro e fora das quadras. 

Estávamos em 1993, semifinal do Campeonato Estadual juvenil de basquete: Santa Mônica, o famoso clube da capital que à época montava grandes times de basquete, e Maringá.

Era uma "melhor de 3", com um jogo no interior e os dois jogos seguintes em Curitiba, por termos a melhor campanha.

No jogo da ida, num sábado à noite, com o Ginásio Chico Neto lotado, vencemos. 

Jogamos bem, fui o cestinha ("às favas, a modéstia") e lembro bem de um grande parceiro, Vinícius Bollauf, que também arrebentou com o jogo.

O jogo da volta foi marcado para o Ginásio do CEFET -- o Santa Mônica não tinha um ginásio próprio e éramos ciganos pelas quadras curitibanas --, ali na Silva Jardim, numa noite fria de quinta-feira.

Tudo indicava uma nova vitória.

Meu pai, claro estava lá: saído do trabalho, de calça, camisa e sapatos sociais -- sapatos, diga-se, que sempre são com taco na sola, nunca borracha: "sapatos bailantes", ele sempre enfatiza).

Antes do jogo, na preleção, o nosso grande treinador Fernando Sanches deu o alerta: um dos árbitros escalados para o jogo era uma conhecida e cretina figura do interior do Estado e que a vida toda tentou nos foder.

O jogo começa.  

E tudo começa a melar.

O tal árbitro segurava o apito nos nossos ataques e deixava-o frouxo nos ataques da equipe de Maringá.

A torcida começava a se irritar.

Para nós nada era falta; para eles, tudo.

Contra mim, em particular, era vale-tudo.

Roubo e sacanagem explícitas.

E a irritação aumentava. 

Terminamos o primeiro tempo atrás no placar e eu com 3 faltas e meia dúzia de pontos. 

Na volta do intervalo, de cara o árbitro apita outra falta minha.

Mais uma e eu estaria eliminado do jogo.

Sento no banco.

E a irritação aumentava cada vez mais.

O clima era terrível.

Perdíamos o jogo e o assalto continuava.

Faltando metade do segundo tempo, retorno à quadra e no ataque seguinte ele apita minha "falta de ataque".

Estou fora!

Foi o estopim.

Meu pai todo piuchado, de modo tresloucado, salta da arquibancada.

Na verdade, ele voa: a altura entre ela e a quadra é de uns de 3 metros.

Ao aterrissar, desequilibra-se por conta dos sapatos (e da altura, claro), torce o pé, sai mancando à caça do árbitro, dá-lhe um direto no queixo e parte pra cima com pontapés aleatórios.

Começa a confusão.

As comissões técnicas e jogadores se digladiam, árbitros e mesa saem para o vestiário, surge a turma do "deixa disso" e os dois PMs que faziam a "segurança" do jogo enfim entram em quadra para dar um basta.

Meu pai é gloriosamente levado para fora do ginásio, aplaudido pela torcida.

Eu e mais três jogadores somos expulsos -- coincidentemente, dois jogadores do banco do Maringá... -- e o jogo reinicia.

Nós acabamos perdendo e a arbitragem pede escolta policial para sair.

No carro a caminho de casa, meu pai é mudo.

Suspenso, não pude jogar o jogo decisivo, no sábado.

E perdemos de novo.

No sacrossanto churrasco de domingo, meu pai enfim rompe o silêncio para repetir a sua icônica frase:

- "Que situação..."