terça-feira, 15 de setembro de 2015

# quem volta?



Ainda não assisti, mas as críticas ao filme "Que Horas Ela Volta?" são excelentes, desde aquelas nativas até aquelas de fora, que passam a conhecer um ranço ainda quente da nossa recente história escravocrata e a ainda atual relação casa-grande e senzala da sociedade brasileira.

Claro que a versão esquizofrênica dada pela grande mídia é mero faz de conta, uma análise alienada da realidade e, pior, avessa ao que o filme propõe.

Afinal, nas palavras da Diretora, a obra "trata das regras de convivência sociais no âmbito doméstico. Essas regras separatistas, nós sabemos, não são faladas, mas estão aí. Quando eu criei a Jéssica [a filha da empregada doméstica que visita a mãe em São Paulo para prestar vestibular] tão segura de si, não estava pensando em política, mas em fugir de um clichê dramatúrgico da coitadinha da filha da empregada. Mas, quando o filme ficou pronto, todos reconheceram que ele estava falando de um Brasil pós-Lula. E eu concordei. Uma personagem como a Jéssica não seria verossímil antes de seu Governo. Acho que, entre erros e acertos, houve uma melhora da autoestima do povo brasileiro. E a PEC das empregadas, sem dúvida, tem a ver com o final do filme. Acho que foi um grande passo para tirar o estigma do escravagismo e tornar a empregada doméstica uma profissional como qualquer outra.'" (v. aqui)
 
Portanto, não se trata de um conto de fadas cor-de-rosa, típico das novelas platinadas que invadem os lares brasileiros -- é, justamente, ao contrário.

E isso me lembrou de um recente fato que aqui trouxemos.

Tratava de uma matéria do "O Globo", de março deste ano, sobre uma empresa que presta serviços de consultoria para o "uso" de empregadas domésticas, criando um curso para melhor domesticar as serviçais dos brancos lares (v. aqui).

Sim, é mais uma espécie deste negócio horrendo chamado "coaching", no caso pret-à-porter aos desejos felinos da "patroas".

Na reportagem, outra amostra de ser vivo que bem tipifica o perfil daqueles que "são contra tudo isso que está aí" (v. aqui e aqui) e que perambula nas ruas com a sua cara-de-pau pintada e a irretocável fantasia de "brasileiro".

Eis a entrevista:
 
----- Por que você criou este curso?
Porque eu passei um ano e meio trabalhando em casa e quase enlouqueci com as empregadas.

----- Como assim?
Senti que elas perderam a noção do limite. Teve uma que eu pedi para chegar às 7h30 e botar a mesa do café. Ela disse para mim:  ‘Eu não! Imagina se vou botar mesa de café para madame!’. Essa falta de limite foi muito lembrada também na pesquisa que fiz.
 
----- O Brasil é um do únicos países do mundo em que ainda é comum ter uma empregada doméstica sempre por perto para te servir, que dorme num quartinho dos fundos…
Sim, tenho uma amiga que mora fora e fica chocada com isso. Mas é muito cultural, né? As condições no Brasil não favorecem a vida sem as empregadas, no exterior você vê mil eletrodomésticos que facilitam a vida, comidas pré-prontas. Aqui não tem muito isso. 
 
----- Quais as falhas mais comuns citadas na pesquisa?
Alguns exemplos: empregada que pendura o pano de prato no ombro; a que fala muito ao celular e depois diz que não deu tempo de passar toda a roupa; a que se recusa a usar touca e uniforme; e as que ficam falando das tragédias do bairro onde moram. Muitas têm vergonha de usar uniforme de doméstica na rua. Eu não entendo isso. É um símbolo de status. As empregadas de novela usam. A roupa mostra que ela tem um emprego bacana, que a patroa se preocupa com o seu visual.
 

Uma gente sem noção e que não (se) enxerga.