sexta-feira, 5 de outubro de 2018

# civilização ou barbárie



Difícil compreender que decidir pela democracia não deveria ser uma questão de “escolha”.

Assim como apenas votar não significa que se vive uma democracia.

Ocorre que, sob o aspecto formal, o ato de votar é um símbolo da democracia.

E por isso votamos, e por isso cada um, com suas visões de mundo ou seus raciocínios matemáticos – o voto também costuma se medir por cálculos objetivos – escolhe seus “representantes”. 

No Brasil, não à toa, a primeira frase do art. 1º diz que a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito.

Logo, não deveria se flertar com a escolha entre viver ou não numa democracia, bem como, a esta altura da humanidade, não se poderia admitir um direito a escolher entre viver em uma sociedade moderna ou medieval.

Claro, há soluções políticas e receitas programáticas para todos os gostos, mais ou menos convenientes às visões de mundo – a "ideologia"  de cada um.

Mas “remédios” não servem como pílulas homeopáticas, placebos ou mandinga.

E por isso exigem seriedade no uso terapêutico, e por isso não se brinca com eles.

Ora, não se escolhe um tarja preta para curar diarreia.

Se o desatino intestinal é incontrolável, há outros meios de curá-lo.

Pela educação, por exemplo.

Aprende-se a comer direito, a ingerir alimentos saudáveis, a beber água, a evitar frituras e comida de plástico, a ouvir sérios conselhos, a ler bons livros, entre outras tantas ações.

Mas nunca um rivotril, um coquetel radioterápico ou uma operação cardiovascular – eles não, eles nunca.

Por mais que se goste – “ah... sou fascinado por uma cirurgiazinha...”, alguém poderia dizer –, isso não se faz porque não dá certo e não funciona, como há muito tempo e por todos os cantos se sabe.

Ao menos para quem admite e quer viver em uma sociedade plural, livre, igual, fraterna e moderna, na qual a bala, o ódio, o preconceito, o racismo, a xenofobia, a misoginia e a intolerância são absolutamente inadmissíveis.

Por quê?

Porque isso deve fazer parte da nossa decência cívica, da nossa incolumidade cidadã e da nossa vivência democrática.

É evidente que há muita gente gostando e ganhando, direta e concretamente, com esta insurreição fascista e o caos.

São os facínoras, cuja viuvez dos anos de chumbo é tratada com saudosismo e orgulho e em cuja órbita social não cabe o "outro". E são os vendilhões do nosso templo republicano, mais ou menos expostos na obstinada busca argentária  e diante desse pessoal toda lógica, todo direito, toda ética e todos os valores morais são absolutamente descartáveis, sendo, pois, impossível se cogitar qualquer reflexão para que possam se convencer do contrário.

E até os entendo, como filosofaria Schopenhauer.

Mas há também muita gente se enganando com o que imagina desejar.

São os antipetistas, classe média que trabalha sob a ojeriza a um grupo político e que pelas ruas e redes do Brasil pensam estar desembarcando na Normandia, combatendo a crise, a corrupção e as coisas todas ("tudo-que-está-aí") deixadas para trás desde 2003, sublimando que o "messias" seja absolutamente incapaz de oferecer uma mísera proposta substantiva para quaisquer dos grandes problemas nacionais (desigualdade, trabalho, saúde, educação, moradia, transporte, economia, saneamento, energia, meio ambiente etc.).

E são os descuidados, batalhadores deixados de lado pelo Estado e que, além de verem limites inexpugnáveis no projeto de inserção e ascensão sociais, também passaram a acreditar no discurso da violência como combatente da violência, ignorando que sob esta lógica eles continuarão a ser "objeto" da violência, como se numa epopeia suicidária agora com a chancela oficial do Governo e o delírio das "pessoas de bem". 

Ambos, assim, acreditam estar escolhendo uma mudança e decidindo pela salvação do país.

Mas não, não estão.

Pelo contrário, estão a sustentar (e a repetir) um grave erro da nossa história, que carcome nossos direitos e garantias e tinge com tinta sombria nosso futuro.

Sem saber, acabam por vibrar e flertar com as trevas de um arquétipo de governo: inventado, armado, enjambrado, com um lado e sem viva alma.

E estão a sucumbir a isso.

Estão admitindo viver à margem da democracia, no fio da navalha do obscurantismo regido pelos interesses prostibulares de uma gente vil, com alarmantes déficits cognitivos e graves desvios éticos.

Estão, assim, a ver a imberbe construção da nossa nação vergar e se acabrunhar, de novo.

E estão a aceitar isso, num rotundo temor servil.

É, portanto, absolutamente perigoso e dramático este momento da nossa República.

E na vida há situações em que se deve firmar uma posição – se como dissera Kafka, num dos seus aforismos, que o ponto a se chegar é o ponto a partir do qual não há mais retrocesso, eis que nele chegamos.

E escolher um lado, posto que não se trata de um maniqueísmo qualquer.

E escolhendo um lado, em circunstâncias como as que hoje, de modo (sur)real, atravessa o Brasil, o convívio com o "diferente" – usarei este eufemismo – é impossível.

Não há, afinal, diálogo com o fascismo e seus adeptos.

Diante disso não há ideias, não há lógica, não há razão, não há coração, não há nada fora da ignorância e da continência.

Nem liberdade, nem direito, nem lei, nem povo, nem justiça, nem amor, nem ordem, nem progresso, nem nada.

Sendo assim, porquanto insustentável o convívio, evitarei aqueles que admitem ou passam a ser condescendentes com práticas para mim tão repugnantes como a tortura e a repressão e tão atrasadas quanto a violência e o militarismo.

Ora, acredito no Estado Social e Democrático de Direito, na Constituição e nas ideias de República e de cidadania.

Acredito nos valores da Declaração Universal dos Direitos do Homem e na construção de uma sociedade moderna, feliz e para todos.

Acredito – para não dizerem que não falei das flores – no combate aos crimes econômicos, financeiros e contra a Administração Pública (sonegação e corrupção, por exemplo), com investigação e punição independentemente do partido ou do sobrenome, como uma das medidas para tornar o país melhor e decente.

E por isso acredito que as trevas, o terror, o autoritarismo e o arbítrio de agora, em nosso quintal e a um palmo dos nossos narizes, precisam ser imediatamente controlados e repugnados, com a mais absoluta veemência.

Afinal, longe de ser papo de poesia, se hoje é com os "esquerdopatas", amanhã será com qualquer um, como exemplarmente revelou a escuridão de 1964 a 1985.

Desse modo, não posso compartilhar e estar na voluntária companhia de quem desacredita a história, de quem apoia ações ao arrepio da Carta Maior, de quem é contra a ordem democrática, de quem faz chiste e graça deste estado de coisas e de quem, apenas por ser "antipetista", admite o caos e um Brasil em cacos, a aceitar ou relevar as ofensivas bárbaras de um ser como – dê-se nome ao boi – Jair, abjeto e microscópico, protótipo do mau e caricato político e detentor de uma obtusidade comovente, mas que encanta seus pares ungulados.

Excetuando-se uma pequena parcela que, como em todo lugar do mundo, é realmente fascista – algo humano, demasiadamente humano – e que assim se posiciona mais ou menos dentro do armário, a convulsão nacional nasce da crença de que a corrupção é o maior problema do Brasil, numa ladainha oca e atrasada, cuja ardilosa construção visa a esconder o caráter vital da política e sublimar a "luta de classes", o grande motor das sociedades desde que a Idade Média acabou.

Ocorre que tudo se intensificou: pautas de plástico floresceram, preto acabou amarelo,  jabuti subiu em árvore, moral se tornou direito, focinho virou tomada e assim se chegou a este episódio que nauseia e nos apequena como nação  e claro que a esquerda e o PT têm culpa.

Partido esse que divirjo muito e em muitos aspectos. 

Partido esse, gize-se, que especialmente nos últimos anos antes do Golpe (2016) mereceu as minhas mais severas e pontuais críticas, como sempre expus em artigos, colunas e neste blog, justamente pelo Governo ter se afastado de seus programas e ideais, com muitos erros e desvios inexplicáveis. 

Contudo, está muito claro que agora já não se trata de PT ou de apreço por uma ou outra bandeira de pessoa, partido ou gestão, inclusive porque houve muitas opções reais neste processo eleitoral, para vários gostos e espectros. 

Há sim uma não candidatura muito clara  e, nada paradoxal, muito escura.

Há um Jair no meio do nosso caminho, homem-pedra que não titubeia em ofender e assumir a destruição das regras básicas de uma sociedade moderna e de um país democrático.

Por isso, grite-se, o que está verdadeiramente em jogo é o inabalável respeito aos princípios, aos fundamentos  e aos objetivos contidos na Constituição da República Federativa do Brasil. 


Sendo assim, minha gente, não há escolha, não cabe omissão e nem se aceita isenção.

Logo, até quem sabe outro dia, vou querer apenas a companhia, o afeto, os beijos e os abraços daqueles que partilham comigo desta mesma margem do rio.

Um rio cuja correnteza infelizmente está a levar muita gente para um outro lado, um lado triste e sombrio da nossa história.

Afinal, não mais se trata de política, modelos e cores partidárias.

Trata-se de escolher entre civilização ou barbárie, entre luz e trevas, entre progresso e caos.

E do desejo, lá na frente do tempo, de quando tivermos nossos netos no colo e ouvi-los a perguntar desta época, poder lhes dizer que tudo só foi um susto e um soluço.

E, com o brilho dos olhos de um velho, dizer-lhes com orgulho de que lado aqui estivemos.

E que vencemos.