sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

# consummatum est



Aqui muito já falamos sobre o mais novo ópio do povo.

E, por algumas vezes, já também nos debruçamos sobre religiões.

Arriscamos reuni-las para agora brevemente falar do que estrutura, in corpore, o vigente modus vivendi capitalista.

Pois bem, essa renovada configuração deontológico-dogmática parece estar exigindo dos seus seguidores, antes de tudo, a verve "ateísta".

Sim, diferentemente do que, em regra, antes acontecia – vez que tal sistema político-econômico era absolutamente preenchido pelos católicos anônimos –, os tempos pós-modernos vêm exigir da sociedade de consumo a prática e a crença ateia, ainda que desprovidos de tal rótulo, cuja confissão pouco cai bem na “sociedade”.

Como um novo tsunami comportamental (e, especialmente, sócio-antropológico), ser ateu passou a ser a única forma de, interiormente, a luxúria consumista autoexplicar-se, propondo a si mesmos uma razão dogmática que postula uma pseudoverdade universal e científica.

Nada discutem, apenas publicitam as suas crenças – e, claro, consomem.

Sem se importarem em qual contexto histórico enquadraram-se os pensamentos cartesiano e darwiniano – dentre outros racionalistas clássicos –, a sociedade do consumo – irmã siamesa daquela "do espetáculo" – busca, ao revés de qualquer fé religiosa, cientificar o seu modo de vida (e de consumo, de riqueza) com o jeito ateu de viver.

Mas tal assentamento científico é precário, volúvel e oco.

Tal jeito, nesta atual fase da história, é o american way of life, o qual, é evidente, melhor consegue atuar como porta-voz desse ideário consumista, alienante, conservador e burguês.

Esse, pois, é o campo de ultradesenvolvimento do capitalismo neoliberal, o da mercantilização de tudo, que, para se fazer bem funcionar, exige da sua gente a conformação na visão ateísta do ser.

De onde viemos?, por que somos? e para onde vamos? – perguntas cósmicas de sempre –, precisam, para tais intelectos (e para as corriqueiras práticas burguesas), ser respondidas pragmática e concretamente, posto que devidamente adaptadas ao consumo desenfreado, desigual e desumano.

Questões cruciais como liberdade, igualdade e fraternidade são, aos seus peculiares modos, tergiversadas ou obtusamente divagadas, sempre de modo a sustentar os prazeres e as posses pessoais.

Ora, como nas relações sociais presentes é flagrante a superposição do “ter” – você tem para “ser” –, a ideologia consumista e as outras formas de alienação da atualidade sobrepõem-se a qualquer crença socializante do século XIX.

Aquilo passou, e os que hoje insistem em não passá-la são considerados lunáticos e utópicos.

O materialismo histórico de Marx, causa daquela fase ateísta, sucumbe ao materialismo tout court do presente, e inverte a relação de causa-efeito: o ser ateu justifica o "ter", e passa a ser o maior justificante do consumo, da capitalização, da propriedade e da alienação.

Neste momento, o ser ateu não transcende, nada exige de ninguém (essa é a fraternité apregoada) e, sob a ode de que tudo se cria para se consumir (a liberté deles), faz da égalité mera retórica.

Portanto, é o capital consumista o novo ópio do povo.

E o ateísmo o seu conforto divinal.