sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

# surdos e bocas



As pessoas não estão dispostas a ouvir.

E as que ouvem, ouvem aquilo que lhes apetece, aquilo que lhes deixa na zona do conforto, aquilo que lhes evitam pensar, refletir, aquilo, enfim, que as fazem senhoras da situação.

Por outro lado, as pessoas querem "falar", se acotovelam no falar a esmo, se lambuzam de frases feitas (como aqui) e se contorcem para tentar confirmar tudo e aparentar tudo saber. 

E por terem vergonha do silêncio contemplador -- que escuta para refletir e propor --, tornam-se matracas do vazio, do oco, do vão, do estéril.

Esta gente, pois, raramente ousa discutir este " saber" -- evidentemente, é claro.

Por isso, o que mais se vê é aquele sem números de interlocutores fingindo escutar, a balançar repetidamente a cabeça de modo a concordar com o que (não) se ouve e assim acabar rapidamente com a conversa. 

Talvez isso seja parte desta geração networking, google ou selfie made, a qual insiste em se antenar em tudo mas alienar-se no nada.

Infelizmente, rodas sérias de grandes conversas -- que jamais precisariam se limitar ao meio acadêmico ou, cruz-credo, num outro tipo de ambiente de trabalho -- em mesas de bar, em salas de jantar ou em qualquer lugar do microcosmo da vida estão cada vez mais raras.

Afora a ânsia de só-falar ou de não-querer-discutir-por-não-concordar-e-não-conseguir-argumentar, este comportamento repelente e ensimesmado reflete a impaciência pelo controverso, a intolerância ao desconhecido, o preconceito pelo novo, o rancor pelo alheio e a soberba do ego.

São indigentes do processo de conhecimento, a desprezar um dos mais caros legados gregos: a dialética.

Sim, este "caminho entre as ideias" -- em cujas lógicas de aparente conflito extrai-se o aprendizado --, revela-se algo cada vez mais distante da nossa sociedade.

A revelar um comportamento que cada vez mais aproxima ao dos outros bichos.

Mas, em nosso caso, como ventríloquos enjaulados em egocêntricas e impermeáveis vitrines.