quarta-feira, 14 de maio de 2014

# a mentira e a justificativa do medo


Por que o medo do fim da gestão do PT  estampado em vídeo da pré-campanha deste ano  é diferente do medo do fim daquela gestão do PSDB, encampado nas eleições de 2002?

Bem, primeiro uma observação: este governo do PT está longe de ser um "Governo do PT", das suas bases, das suas raízes e da sua gente centro-esquerda  razão pela qual diversas críticas são feitas e absolutamente merecedoras à atual gestão –, o que, todavia, não significa que seja minimamente cogitável admitir o regresso demo-tucano ao Palácio do Planalto.

Retome-se a pergunta acima: por que em um há medo e no outro havia um pseudo-medo?

E já de pronto se responde: porque, hoje, o medo é de algo que já conhecemos, enquanto que, antes, se tinha medo de algo ficcional e subjetivo.

A ideia de 2002, que tentava amedrontar o povo brasileiro acerca da possível vitória de Lula e do PT  lembrem daquela atriz, com aquela burlesca cara de pavor, dizendo bobagens sem tamanho, com lábios trêmulos e olhar aterrorizado... –, parecia exemplo perfeito da "retórica da intransigência", ideia da famosa obra de Albert Hirschman.

A tese do cientista político alemão muito bem explica o desejo felino dos conservadores em ser contra a mudança e o progresso, a se assentar em três argumentos: a ameaça (ora, nas teses progressistas oculta-se um brutal desejo de mudança que traz perigosos custos para as preciosas realizações anteriores), a perversidade (ora, com as teses progressistas gera-se uma cadeia de consequências imprevisíveis que provocam o oposto do que se deseja alcançar, exacerbando-se a situação que se deseja remediar) e a futilidade (ora, as teses progressistas rigorosamente não servem para nada, a provocar meras mudanças ilusórias).

Ou seja, tucanos e cia insistiam nos meios de comunicação  e eram incentivados pelos próprios meios de comunicação, como de praxe  que o fim da era PSDB e a vitória de Lula/PT resultaria no caos ("ameaça"), no caminho a um buraco negro ("perversidade") e no nada ("futilidade"): "Socorro!", gritava a madame no salão do clube com seus bóbis e luzes no cabelo..."Vou fugir!", bradava de dentro do seu conversível o sujeito de cebolão platinado no pulso.

Ora, como disse Maquiavel: os homens ofendem por medo ou por ódio  e aquela gente ofendia por ambas as formas.

Porém, nada daquilo poderia se sustentar, pois o Estado brasileiro jamais teve um governo de centro-esquerda eleito e não se fazia possível realizar qualquer comparação, a restar inútil, injusta e indecente a propaganda terrorista e do medo.

O que é muito diferente de hoje: conhece-se o inimigo, de tantos outros carnavais, e por isso o medo real e objetivo.

O medo é a retomada do poder pelos prosélitos do neoliberalismo, pelos adoradores do Deus-mercado, pelos filhos do mainstream e pelos capachos da ditadura financeira global (v. aqui e aqui).

O medo é a rechegada no comando político de um partido que não acredita no Estado, que despreza o país, que detesta a democracia e que não suporta uma nova configuração social do país.

O medo é a reexecução de teses político-econômicas falidas, a execração do serviço público e a consagração do interesse privado.

O medo é a precarização da nossa cultura, a idolatria do estrangeiro, a flexibilização da ordem e o travamento do progresso.

O medo é o novo desembarque na nossa Normandia daquela gente que vendeu o país por trinta moedas, que entregou nossas riquezas a preços vis e que arrendou a alma produtiva brasileira.

O medo, pois, é conhecido e imediato, não era o medo retórico e intransigente da cambulha do PSDB, a reboque da mídia e do mercado.

Mas, por outro lado, este atual governo do PT  repleto de coalizações, de coligações, de alianças e de apadrinhamentos sem limites  não deve se iludir.

Pelo contrário, deve exigir-se uma urgente e transformadora reflexão, sob pena do medo vir de dentro.

E aí será sério e verdadeiro.