sexta-feira, 30 de outubro de 2015

# por quem os sinos dobram?

 

Raúl Zaffaroni, o grande jurista e Ministro da Suprema Corte argentina, desenvolveu no âmbito do direito penal a "teoria da vulnerabilidade", para ser aplicada pelos juízes no curso dos processos.

Nela, se reduziria (e se aumentaria) a culpabilidade – a "responsabilidade" – do sujeito criminoso que tivesse maiores (ou menores) chances de sofrer punições. 

Ou seja, pretende impor uma atenuante inonimada para a pessoa que cometeu o crime porque desprovida de condições sócio-educacionais favoráveis, destituído de proteção familiar e com orientação cultural distorcida; ao contrário, impor-se-ia uma agravante para o criminoso provido de berço esplêndido, constituído num tenro ninho familiar e com razoável orientação multi-cultural. 

De ordem aristotélica e jus-criminalista, a "teoria da vulnerabilidade" é demasiadamente lógica: os sujeitos não podem ser igualmente responsabilizados por idênticos atos, maiormente sob o ponto de vista sócio-educacional. 

E, por isso, a seleção das pessoas afetadas pelo direito penal deve ser redirecionada, e a perseguição criminal deve passar a perseguir aqueles que estão em condições de influenciar e dirigir o poder, favorecendo os que não estão na mesma situação  é, pois, um silogismo às avessas da lógica vigente.

É de clareza solar, e de conhecimento do mundo mineral, do que o nosso sistema penal é feito: darwiniano, só alcança as espécies menos evoluídas, de modo a registrar a obviedade do fato de que a tutela judicial recai sempre, e sempre, de forma desigual e injusta, contra pessoas das rasas classes sócio-econômico-educacionais.

Nesta medida, é fácil compreender que há graus múltiplos de vulnerabilidade das pessoas ao sistema, dependentes de uma série de fatores individuais e sociais; em outras palavras, os dados da realidade  a vida!  definem o âmbito de autodeterminação do sujeito no momento em que estava a cometer o ato criminoso.

Assim, pela teoria, a vulnerabilidade opera-se por uma associação entre o estado de vulnerabilidade e o esforço pessoal pela vulnerabilidade, em cuja relação estaria o regramento para a aferição da culpabilidade.

Portanto, o reconhecimento dos diversos níveis de vulnerabilidade visa a estabelecer um direito penal menos desigual, pois é capaz de dar contornos dogmáticos eficazes, porquanto mais justos, à redução de falhas e desvios estruturais do sistema repressivo, fixando padrões de aplicação da lei com a maior possibilidade de ética e isonomia.
 
E, se perceba, aqui nem está a se falar de grana ou de condições econômicas do agente, ultrapassadas pela teoria da co-culpabilidade, mas sim da situação psíquico-social do sujeito.

Didaticamente: perceba-se que o esforço pessoal de uma pessoa poderosa (com família e educação) para ser criminalizada é absurdamente maior se comparado ao esforço de um desprovido de recursos, logo, os desprovidos de poder (familiar e educacional) sempre estão mais suscetíveis a serem alcançados pelo poder punitivo.

É claro que a tese não ignora características pessoais e de caráter do autor, mas as utiliza de forma contra-seletiva, a justificar uma menor incidência do poder repressivo sobre os menos privilegiados, ou seja, sobre aqueles que são mais visados pelo sistema.

Porém, ter desenvolvido os marcos teóricos desta teoria não parece que foi o ponto mais complicado e complexo de todo o processo.

A maior dificuldade, na verdade, está na cabeça conservadora, reacionária e socialmente corporativa da ampla maioria dos magistrados de nosso país, incapazes de dar este passo à frente.

Afinal, vai que um dia...



A cadeia lógica do justo