sexta-feira, 9 de outubro de 2015

# superpoderes



Gênios de plantão, agora em ratuína profusão pelas redes sociais, insistem com a ladainha de que compras públicas é mole, de que o procedimento licitatório é moleza e de que o Estado é um molenga.

E que a Administração não sabe contratar, nem o que contratar, tão-pouco como contratar...

Entretanto, meus senhores, isto aí é uma menor – ou meia – verdade.

Bem, é claro que além das suas próprias questões principiológicas, as atualizações à nossa lei maior de licitações e contratos (Lei nº 8666/93) já não são suficientes para dar conta do recado; e, mais, o seu próprio espírito já se mostra cansado e incompatível com esta nova ordem e a nova realidade do mundo corporativo e das relações público-privadas.

Outrossim, é indiscutível que uma melhor preparação intelectual, psicológica e moral dos servidores públicos destas áreas também ajudaria, bem como a institucionalização de uma intransigente cooperação federalista, como suporte aos rincões onde a ignorância, a vulgaridade e a promiscuidade são a praxe administrativa – e a ideia do "sistema de registro de preços", por exemplo, já está a ajudar um pouco.

Contudo, sublinhe-se: não há normativismo, profissionalismo e federalismo que darão conta de um tema tão complexo como este.

Assim, o problema é que, afora isto e os casos – inúmeros, mas ainda assim muito longe de serem a maioria – de corrupção e malversação, a coisa em si é complicada, complexa e comparada quase a uma atividade hercúlea.

No prelo, tenho um artigo científico cujo título pode dar o tom do negócio: "Trabalho de Hércules ou Utopia – a Saga da Administração para Contratar com Legalidade, Moralidade e Eficiência".

Em suma, comprar e contratar, na esfera pública, não é para principiantes.

E, para piorar, a evidência de que as empresas – sim, por não ser um regime estatizante, o Estado depende do privado para vender e servir (quase) tudo... , em regra, não fazem a menor questão de ajudar.

Ou melhor, até fazem, o que costuma custar, ao menos, a lisura do certame.

Assim, a má vontade, a má intenção e a má instrução patrocinadas pelas empresas consultadas são notórias, especialmente no momento da preparação das licitações, da redação dos editais e da formação dos preços, e, depois, no acompanhamento das compras e dos contratos em face às práticas do "mercado".

Note-se que o Estado não tem know how e nem savoir faire para tudo, de tudo e sobre tudo, e por isso pareceria ser evidente que a colaboração e o auxílio de quem vive e foi criado para comercializar certos bens e serviços (por razões existenciais) – e de quem vive e se cria no próprio seio federal, estadual e municipal (por razões radicais) – não se mostraria absurdo.

Mas é.

Como é também praticamente impossível e potencialmente inviável.

O Estado não pode ir à loja, à agência, à construtora ou ao laboratório e, com base no próprio juízo de conveniência e oportunidade do seu titular, comprar "como" e "de quem" quiser, tal qual fazem os titulares das empresas privadas, sob os seus fetichistas méritos de gestores técnicos, frios e calculistas.

Ora, o Estado Republicano Democrático de Direito impede que se faça isso, o que, claro, é saudável, ainda que se saiba e se jure com pés e mãos juntos que o próprio gestor público responsável também possa ser "técnico, frio e calculista".

Logo, construída sob estes imperativos do Estado, a Administração Pública deve realizar uma compra que seja legal, conforme todo o arcabouço normativo vigente, que vai de "A a zinco", em todas as esferas e matérias.

Porém, isso não basta, e a compra também deve ser moralmente válida, cuja situação, se já provocativa de calafrios em qualquer discussão filosófica acerca desta relação – legal & moral –, alcança um tom quase metafísico na seara da prática administrativa, que bem rechaça qualquer mínimo sopro de impessoalidade ou de ataque à igualdade.

Mas, vejam, ainda não é só isso.

Além disso – e quase como uma daqueles promoções do 1406, com as suas facas e meias, que sempre dizem "e atenção, não é só isso, pois..." , as compras públicas exigem respeito à diretriz constitucional da eficiência e, como se possuída de um dom divinal, a Administração deverá obedecer também a este fluido critério moderno, mas que quer se mostrar matemático e apolítico, bem a gosto da cantilena principesca daquelas tais "reformas gerenciais" e do burlesco "choque de gestão".

Enfim, da próxima vez que ler ou ouvir algum destes sujeitos – que jamais tentaram enxergar a dinâmica deste sistema e que nunca estiveram do outro lado do negócio – criticar e, com desdém, tolamente comparar a realidade da gestão pública com a do mundo privado, perdoa-o.

Afinal, eles não sabem o que dizem, nem o que fazem.


Enquanto isso, na sala onde habita a turma do xoque de gestão...