quinta-feira, 12 de maio de 2016

# carontes e zumbis



Hoje, nesta quinta-feira cinza, trágica e com as lágrimas da chuva, me pergunto: onde estarão os "amarelinhos"?

Onde estará toda aquela turma lobotomizada que vagava e babava apoiando e desejando este momento?

Onde estará a alegria daquela matilha com a consumação orgásmica do seu desejo?

Onde estará o indiscreto charme da burguesia limpa e bem-cheirosa que, finalmente, consegue o que visceralmente queria?

Cadê, cadê o êxtase da chusma que deu asas, alimentou e aninhou este golpe parlamentar?

Com o tempo, lá na frente, quando meus filhos me perguntarem sobre este momento histórico "pai, de que lado você estava?" –, eu poderei dizer, cheio de orgulho neste peito, que estive ao lado da democracia, da justiça e do Estado de Direito. 

Por outro lado, não lamento pelos outros – ah, tantos tão próximos a mim... – que serão personagens sombrios e funestos das páginas da nossa História, tais quais aqueles bichos que em 1964 deram as mãos aos militares e nos conduziram às trevas.

Não lamento porque, obviamente, sabiam muito bem o que se tramava no país,  num enredo marcado pela arbitrariedade e pelo casuísmo (v. aqui).

Não lamento porque escolheram ser levados como camarão pela onda golpista, fazendo questão de não saber do que se tratava, embalados pelo onipresente discurso midiático e com a (burra) certeza de que este era o melhor caminho – a verdade e a vida , regurgitando como catedráticos ventríloquos teses sem nexo que por aí ouviam na tentativa de legitimar o cadafalso para o qual empurram o Brasil (v. aqui).

Não lamento porque assim tiveram todas as oportunidade do mundo de conversar, ler e ouvir o que estava por trás deste processo de "impeachment" (v. aqui e aqui).

Não lamento porque lhes era possível olhar, com os olhos de ver e reparar, quem estava nesta trincheira, deste lado del riolutando pelo respeito à ordem constitucional: cientistas, intelectuais, artistas, os movimentos sociais, a comunidade internacional, as minorias marginalizadas e, em especial, o povo.

Povo esse que voltará a comer o pão que esses diabos golpistas hão de amassar.

Afinal, no lombo de quem vocês imaginam que irá arder as ações, as omissões e as comissões de um "governo" (des)encabeçado pelo PMDB que, sob aquela velha e carcomida direção, sacará direitos, flexibilizará garantias e imporá restrições civis e sociais ao bel-prazer da sua agenda conservadora não consagrada nas urnas?

Ora, quem pagará pelos tais ajustes, pelos arrochos fiscal e monetário, pelas revisões e releituras, pelos cortes inominados e infaustos?

Quem se não o trabalhador, o pobre, o preto e o periférico, os quais serão exemplarmente comprimidos ou descartados pela arquitetura neoliberal da tal "Ponte para o Futuro" que, sob o timão de Temer e Cunha, levará todos ao primeiro círculo do inferno?

Agora, a ditadura plutocrática – que, honra lhe seja, rege quase todos os lugares do mundo – não terá o enfrentamento nem mesmo das franjas de um Estado Social, nem mesmo de um desbotado vermelho de um governo eleito de centro-esquerda, para delírio do "mercado" e de seus agentes.

Enquanto isso, numa realidade paralela – mas que nem no infinito cruzam com a verdade , os noticiários da grande mídia serão uma overdose de sorrisos, de afagos, de musas, de plumas e paetês.

A parva massa amarela ligará a tv ou abrirá seus jornais ou revistas e, voilà, um mundo cheio de arco-íris, pôneis-dourados e fadas-madrinhas revelará que tudo era culpa daquele bicho vermelho de treze cabeças, como lá naquele junho de 2013 se decantava (v. aqui).

E, não duvidem, esse bando terá a desfaçatez de ainda dizer: "Ah, viu só?"

Doce e estúpida ilusão, fruto da manipulação que sói acontecer com essa classe média alienada, centrada nos seus umbigos e na sua visão turva da sociedade, da vida e da história.

Mal sabe ela que as chances deste governo interino – porque ilegítimo, traidor, sabotador e formado por nanicos morais e pela mais sujas peças do tabuleiro político nacional (v. aqui– lograr êxito são zero, por mais que cessem a greve do capital e o terrorismo midiático.

Mal sabe ela que esta tropa do golpe – porque sem voto, sem vergonha e sem escrúpulos – abafará e hermeticamente estancará toda a sorte de progresso, inclusive no que tange ao "combate à corrupção" (v. aqui), sempre em nome da medúsica ladainha da ordem (v. aqui).

Todavia, como o problema dessa gente nunca foi a política e as questões que verdadeiramente preocupam e interessam ao nosso país (v. aqui), isso é o que menos lhe importa.

A única coisa que importava era arrancar a fórceps o Partido dos Trabalhadores do poder e, fundamentalmente, acabar com quaisquer vestígios de pautas e programas da esquerda da agenda institucional brasileira.

Eis que, sabe-se lá por quanto tempo, conseguiram. 

E agora, acabou a nossa luta em prol da democracia, da justiça e do Estado de Direito?

Não, camaradas, ela está apenas começando.


Ed ecco verso noi venir per nave
un vecchio, bianco per antico pelo,
gridando: "Guai a voi, anime prave! 
Non isperate mai veder lo cielo:
i’ vegno per menarvi a l’altra riva
ne le tenebre etterne, in caldo e ’n gelo.
(Dante Alighieri, "A Divina Comédia - Inferno", Canto III)