quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

# il monstro


E eis que a última grande chaga mundial de todos os tempos, trazida pelo mais cruel godzilla, volta a cobrir as manchetes da mídia brasileira e os orçamentos dos entes públicos. Vamos aos fatos, de novo, como já muito por aqui discorremos (v. aqui). 

Bem, com a chegada do inverno, a Europa investiu um arsenal para combatê-la, como se numa guerra de mundos. Resultado: vários países europeus tentam se livrar do excesso de vacinas e apetrechos relacionados à gripe A (H1N1), que não foi tão forte quanto previsto. A Suíça, comprou 13 milhões de doses e agora deverá doar ou vender grande parte ao exterior,e manter outra em estoque para uma eventual próxima pandemia; a França, anunciou na última segunda-feira que cancelaria a compra de 50 milhões das 94 milhões de doses que havia encomendado; a Alemanha também tenta se livrar dos excedentes e renegociar as encomendas feitas durante a fase inicial da onda de gripe A (H1N1); e Itália, Espanha, Portugal e Holanda já reavaliaram as encomendas de vacinas que haviam feito no início da (mal) dita pandemia (v. aqui).

Hoje, a nova “chaga”, dantes considerada uma mina de ouro do setor, cujas vendas de vacinas eram consideradas uma benção para as indústrias farmacêuticas, já não assusta e a receita dos fabricantes de vacinas e as perspectivas de lucros com a pandemia da gripe A (H1N1) já se mostram bem incertas. 

E a maior prova disso (e de toda a campanha midiática acerca da falsa epidemia) é motivo de investigação por alguns dos parlamentos europeus e de criação de uma “comissão de inquérito” por parte da União Europeia, com vistas a analisar a influência (e o lobby) dos gigantes laboratórios transnacionais sobre os dispêndios públicos em vacinas e congêneres. 

Assim, a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa (APCE) abriu um inquérito em janeiro sobre a influência das empresas farmacêuticas na campanha global da gripe A, focando especialmente sobre a dimensão da influência da indústria farmacêutica na OMS. Trata-se, pois, de um passo há muito necessário no sentido de existir uma transparência pública quanto a um “Triângulo Dourado” de corrupção na área dos fármacos entre a OMS, a indústria farmacêutica e cientistas acadêmicos. 

No Brasil, embora tudo mais distante em relação a processos de investigação, a situação prática dos gastos públicos e do temor populacional fora idêntico ao que se passa na Europa. Aqui, também, o nome científico para o que ocorreu – e, parece, está em visas de se repetir – é "estado hipocondríaco transitório movido por um estresse psicossocial"; o nome fantasia -- ou a chaga social -- é "cegueira branca", aquela mesma descrita por José Saramago, talvez um pouco metamorfoseada.
 
Estava a se falar demais sobre o "nada", dando ao "nada" status de "fato", a criar mensagens subliminares que (inconscientemente) intentavam mostrar a todos a aproximação de um monstruoso enxame de rãs, de sarnas e de gafanhotos, o qual daria início ao grande dia do juízo final. E assim, lendo o que repercutia à época a mídia, este parecerista começou sim a temer pela sua vida: não por causa da gripe, mas porque é o primogênito.


No último inverno ao sul do Equador, renomados especialistas, desprezados pela grande mídia -- como a Diretora do Hospital das Clínicas de SP e Mestre em Epidemologia, Sra. Anna Sara Levi, e o Diretor da Faculdade de Medicina da USP e Doutor em Infectologia, Dr. Marcos Boulos (v. aqui e aqui), afirmaram veementemente que a fome, o frio, a esquistossomose e a malária matam (e matarão) centenas de milhares de vezes mais do que o "monstro" da nova gripe, o (pseudo)anúncio do apocalipse.


Fazer política partidária ou lobby econômico com notícias de saúde, além de imoral, tem “efeitos colaterais”, da ordem econômica, relacionados à falta de recursos públicos em certas áreas -- vez que há um típico caso de trade-off --, e, também, de ordem social, cujos efeitos impregnam no estado negativamente extático da população, cujas consequências, dentre outras, remetem àquelas da gripe aviária de 2007 e da febre amarela de 2008: milhares e milhares de pessoas vacinaram-se desnecessariamente e, como a vacina tinha contraindicações, várias acabaram hospitalizadas e algumas morreram (ora, para ir rápido ao abastecimento dos produtos, em algumas vacinas se tem utilizado adjuvantes cujos efeitos não foram testados suficientemente... 

E porque tudo isso e essa suspeita típica dos enredos dos grandes thrillers? A memória não é tão curta (v. aqui). 

Em abril de 2009, quando chegou o primeiro alarme do México acerca de uma "nova" gripe, a OMS quase imediatamente declarou uma "pandemia", mesmo que esse elevado nível de alarme não se correspondesse com o números dos "casos". Não havia nem mil enfermos e o alerta máximo se baseou em que o vírus era novo. Porém, todo profissional das áreas da saúde sabe, uma característica das enfermidades gripais é que se desenvolvem muito depressa, por meio de um vírus que cada vez toma formas diferentes e se instalam em novos hóspedes. Nada novo. Todo o ano aparece um novo "vírus da gripe". Realmente não havia nada que justificasse semelhante grau de alarme. 

Isto tem sido possível desde que a OMS, em maio de 2009, numa manobra jurídica, mudou sua definição de "pandemia". Antes dessa data não só era necessário que a enfermidade se manifestasse em vários países por vez, senão que, ademais, tivesse consequências graves com um número de casos mortais, maior que a média habitual. 

Na nova definição se eliminou esta parte e só se manteve o critério do ritmo de propagação da enfermidade. E se pretende que o vírus seja perigoso porque as populações não tinham desenvolvido defesas imunitárias contra ele. O qual é falso no caso desse vírus, porque podemos observar que as pessoas com mais de 60 anos já possuíam anticorpos, vez que já tinham estado em contado com vírus análogos -- por outra parte, essa é a razão de que praticamente não tenha havido pessoas com mais de 60 anos que tenham desenvolvido a enfermidade. 

E a recomendação da OMS em utilizar unicamente as vacinas especiais patenteadas? Sem embargo, não havia nenhuma razão para que não se acrescentassem, como se tem feito todos os anos, as partículas antivirais específicas do novo vírus H1N1 para "completar" as vacinas que se utilizam para a gripe estacional. Não se fez, senão que se adotou pela utilização de materiais de vacinação patenteados que os grandes laboratórios tinham elaborado e fabricado para que estivessem preparados no caso de que se desenvolvesse uma pandemia. E procedendo dessa forma não se duvidou em colocar em perigo as pessoas vacinadas. Em outras palavras: querem utilizar forçosamente os novos produtos patenteados em vez de usar as vacinas segundo os métodos de fabricação tradicionais, muito simples e confiáveis, e mais baratos. Não há nenhuma razão médica para isso. Unicamente razões de mercado. 

Todavia, mesmo diante de todas essas (quase) evidências, a grande mídia corporativa e a parcela pestilencial da saúde pública ou privada brasileira já pressionam e advertem o Estado para o infernal inverno que se aproxima e que, agora garantem, a tal peste vai mesmo dizimar o resto da população sobrevivente.


E o Estado, o que deve fazer? Ora, não importa o que faça será, claro, jogado aos leões, afinal: (i) se realmente ignora essa pseudo-hecatombe e não gasta a querida fortuna em arsenal anti-gripe suína, mas algumas pessoas morrem da gripe, ele será eternamente criticado por não ter se preparado, por não ter investido, por ter sido negligente etc.; e, por outro lado, (ii) se realmente dá ouvidos às notícias e aos reclames da mídia e das indústrias fármaco-hospitalares, e gasta uma fortuna para se precaver e combater a tal gripe, e ela não vem (ou vem, como bem se viu, como outra doença qualquer que, mais ou menos sólida, se desmanchou no ar), será eternamente criticado por ter desperdiçado tempo e dinheiro público, por não ter examinado direito a situação, por não ter sido eficiente etc. Sim, é assim que o jogo sempre funciona, e a solução, vez que os dados com que se joga são vidas humanas, sempre tende para essa segunda. 

Portanto, o que a população necessita, de verdade, é de “kits” e “vacinas” contra os surtos midiáticos -- afinal, então sim, quanto mais prevenção maior será a proteção. Para a gripe, precisa-se, na verdade, de muita ciência e muita cautela (v. aqui).fds


P.S. O hilário Il Monstro, de Roberto Benigni, pode muito bem servir como paródia para o fato aqui descrito. fds