terça-feira, 3 de março de 2015

# metafísica do recibo



Tenho a mais fundada e lógica crença na justiça divina, na justiça pós-morte, na justiça do além. 

Sim, pois qual seria o mérito e sentido desta vida, num ter e acumular incansável, senão num contraponto do ser e partilhar e pelos quais ao cabo seremos avaliado, julgados e absolvidos?

Distante da justiça de carne e osso tão mitigada pelos tribunais e, principalmente, pelos homens em geral, quero crer que no além toda essa zorra que se espraia em terra firme há de ser balanceada e recompensada.

O "princípio da capacidade contributiva" no direito fiscal, a "teoria da vulnerabilidade" no penal,  a "função social da propriedade" no civil e a "dignidade da pessoa humana" na seara constitucional são insistentemente relativizados, ignorados e aplicados de acordo com os interesses político-econômicos de um Estado que, nas suas entranhas, insiste em perpetrar o recrudescimento do status quo social e a mantença dos ideais conservadores e patrimonialistas que aprazam os "donos do poder", regentes desta nação com a força e o cajado do mercado.

Assim, conflitos armados, parecemo-nos confiantes demais no que entenderá e decidirá um juiz qualquer, no seu papel de "direito feito homem", para nos esquecer que não basta, por quaisquer que sejam os artifícios logrados para se obter êxito na decisão judicial, sermos artificialmente inocentados nas bandas daqui.

Sinceramente, será que o homem público, o homem privado ou qualquer homem tem a exata noção deste seu compromisso não apenas com a lei positiva, mas com as leis humanas, fundamentais para a sua passagem à vida eterna? Será que o agente estatal e os agentes privados se esquecem que as recompensas que trazem hoje serão cobradas num breve acerto de contas? Será que acreditam que a dinheirama ganha em todas as ilícitas (ou imorais) atividades  invariavelmente reproduzida em Disneys, carros, barcos e cofres  sairá de graça? Será que esta dinâmica iguala-se à recompensa de alguém que não danou ninguém, não meteu, direta ou indiretamente, a mão no erário e não se escondeu da vida real?

Até que ponto este mundo permitirá encontrar justiça terrena na violência do contraste entre fortuna e miséria?

Até que ponto permitiremos entender justo o conflito entre o milagre da abundância e a tragédia da fome?

Até que ponto ignoraremos o fato de a exaltação do ter e a volúpia do mostrar despertarem um sentimento de impotente desumanização em quem exalta o nada e se evola?

Até que ponto a moral e a justiça social serão derrocadas pela (in)justiça das leis e o poder econômico?

Até que advenha um Estado que, numa revolução cada vez mais utópica, puna todos, um por um, trancafiando em masmorras solitárias quem contrarie o interesse público, que desvie dos cofres públicos e que leve para si a receita de todos?

Não, não.

Desestimulo-me e, na verdade, penso que este ponto será atingido, talvez, só nos nossos respectivos leitos de morte, com um transcendental e latente temor da justiça divina, que já então ela não mais tardará e certamente não falhará.

Porém, enquanto isso, se achar que a troca compensa, tudo bem... roube, corrompa, sonegue, explore, esbanje e acumule à vontade.

Mas, lembre-se, é sempre tempo de perdão, de mea maxima culpa, de breaking good.

Afinal, creia ou não em Deus, uma hora a conta vem e isso tudo há de ser cobrado.