quinta-feira, 14 de abril de 2016

# divã e tarja preta


Recebo alguns e-mails recheados de angústia.

São amigos, colegas e até pessoas próximas apenas pelo virtual mundo da internet que, diante desta catarse nacional, tentam ouvir o eco da dor que lhes cobrem o peito.

O papo de monastério de que não há "divisão", de que não há "lado" e de que podemos encarar com carinho e naturalidade opiniões diversas afunda-se, neste atual contexto, numa hipocrisia rotunda.

Ou numa versão poliana da realidade, incapaz de querer encarar a verdade e os fatos em todas as suas cores e caminhos.

Há sim divisão, há sim lado.

E está muito claro de entender quem compactua com a democracia (e de ver os democratas que assim se posicionam) e quem compartilha da ruptura da ordem legal e democrática (e de ver os canalhas que assim se apresentam).

Apoiar e estar ao lado da democracia é, por exemplo, aceitar que Beto Richa – uma grã-fina das narinas de cadáver (v. aqui) – e Geraldo Alckmin – patrono de um Estado cheio de trensalão (v. aqui) e de merendão (v. aqui) –, salvo provas em contrário que atentem à Constituição, devam exercer os seus mandados até 2018, porque assim são as “regras do jogo”, diria Norberto Bobbio.

Sair do plano ideológico e ir à prática de querer tirar na marra uma Chefe de Estado, sobre a qual não pesa nenhum crime, é das atitudes cívicas mais safadas que existem.

É baixa, é torpe, é feia, é repugnante.

E claramente ultrapassa a questão político-partidária.

Afinal, o problema dessa gente não é a politica.

A "política" está problematizada (e racionalmente calculada) nos altos-escalões da oposição que, a reboque dos grandes interesses econômicos – conhecem a impossibilidade de uma vitória nas urnas, que veem as instituições preocupadas no combate à corrupção e que bufam por saber ser praticamente incontornável a ideia de se governar para todos.

O resto? Os parentes, os vizinhos, as amantes, os colegas de trabalho, a turma da pelada ou do tricô?

Ora, para este universo o troço não é politico.

Na psiquê, ou na alma, desta massa que está a produzir orgasmos múltiplos com o rasgo do regime constitucional e o desprezo pelo estado de direito, é flagrante o distúrbio emocional.

Que se vê na obtusidade córnea ou na má-fé cínica – com diria Eça de Queiroz – do raciocínio dessas pessoas quando convidadas a minimamente explicar ou defender o que acontece.

Que se vê no oba-oba de risos e apupos sádicos com que estão a encarar a calamitosa situação.

Mas que se vê, fundamentalmente, no ódio que babam em cada esquina das orlas ou das redes, num ódio que move montanhas (v. aqui).

No "narcisismo defensivo", assente no exponencial aumento da tendência a culpar o mundo externo pelos seus problemas.

No conceito de "projeção", mecanismo de defesa e transferência de culpa por meio de um rito expiatório (o tal "bode") para tudo  e para todas frustrações e todos os desenganos  o "outro", no caso um partido, um governo, uma mulher.

Na ideia de "negação", bovina, partida de uma gente incapaz de pensar pelo lado esquerdo do peito e de sentir pelo lado humano do cérebro, fundada nos fetiches da vida, na meritocracia hereditária daqueles bem-nascidos ou na cantilena de que a sua "consciência" é a única ciente, a única com a ciência de avaliar o bem e o mal e de decidir os destinos do país.

No "rancor" pelo potencial fim de um exército de mão-de-obra barata, explorada e fruto dos processos de colonização escravocrata e de urbanização favelizada, e que agora passa a tentar ocupar os mesmos espaços e compartilhar alguns "gostos" antes exclusivos de uma casta social, desafiando a "violência simbólica" (Bourdier) historicamente praticada pelas elites.

Por isso veem, pelos olhos platinados da tv, que o destino é ser "contra-tudo-isso-que-está aí", e não percebem que o infeliz final deste enredo é contra si mesmos.

E esquecem de ver, com os olhos que a terra há de comer, que é o contrário da democracia, da soberania e da desigualdade que sustenta as bases programáticas desenhadas pela direita e que dá asas aos seus príncipes.

Enfim, arrancando-se o poder deste Governo, poderá se acabar com a democracia.

Mas certamente não se acabarão os problemas da grande maioria desta gente que, perdoe-lhes, não sabem o que fazem.