sexta-feira, 15 de abril de 2016

# joseph k.



À nossa sombra já bastante repetimos o que move a massa encoleirada no tesão do golpe, e já dissecamos quem empunha, sem qualquer paixão, essa coleira.

Agora, na antevéspera deste Domingo histórico  e após esta longa noite de debates astronômicos e astrológicos no STF , cumpre falar direito dos "fatos" apresentados no pedido de impeachment, como me propuseram alguns dos meus poucos, mas fiéis, leitores.

Cumpre, pois, falar dele, "o processo".

Afinal, qual é a verdade jurídica daqueles fatos?

Uma única: a Presidenta Dilma não cometeu nenhum crime de responsabilidade no plano jurídico-constitucional brasileiro.

Nenhum, assim como nenhum do mais canalhas da oposição e nenhum dos amarelinhos das ruas é capaz de acusar a Presidente da República de minimamente flertar com mal-feitos.

Por isso, falemos de Direito, e por isso firmemos que inexiste qualquer razão jurídica para o  impeachment.

Trate-se de um blefe, de uma farsa, na medida em que inexiste sustentação lógica e legal para o que tão mal se pediu  e, por tal razão, o relatório da circense Comissão que aceitou o pedido foram tão atabalhoadamente escritos.

Vamos à matéria.

Diz a Constituição Federal, no art. 85: “São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal: (...)”

De cara, um flagrante: qual o efetivo e doloso “ato” praticado pela Presidente Dilma que “atenta” contra a Constituição?

Não sabem! Não há! 

Fala-se, ao contrário, da “prática hipotética” de crimes contra a lei orçamentária, sem, ainda, oferecer qualquer demonstração de nexo causal entre a conduta da Presidente e o “resultado” da violação. 

Outrossim, sublinhe-se: se deveria comprovar o dolo no ato da Presidente, não bastando uma mera culpa.

Ora, doutrina e jurisprudência afirmam que não se admite crime de responsabilidade cometido por qualquer ação imprudente, negligente ou imperita – as hipóteses da “culpa” – daquele que ocupa o cargo de Chefe do Executivo – exige-se, obrigatoriamente, o dolo.

E dolo não se comprovou porque dolo não há, afinal, não há na conduta atribuída qualquer dimensão subjetiva da má-fé da Presidente da República, na qual quisesse ou assumisse o risco de produzir um resultado.

E mais: sequer houve indiciamento, sequer houve investigação por parte dos órgãos de controle e repressão acerca de tais "condutas".

Por quê?

Porque não vinha ao caso; o "caso" e os "fatos", vejam só, são de somenos importância.

E por isso criam-se histórias, tergiversam-se fatos, tipificam-nos como crime e assim, na marra, via manejo parlamentar, pretendem destituir alguém do poder.

Ao cabo, são dois os pontos ("fatos") batidos pela grande mídia e que tentam sustentar o pedido de impeachment: a realização de operações de crédito com o Banco do Brasil via Plano Safra (!) e a edição de seis (!) decretos de créditos suplementares em desacordo com a lei orçamentária.

E ambos são rechaçados pelas mais comezinhas regras do direito financeiro e, consequentemente, do Direito Penal.

Não sou especialista em Direito Financeiro, e por isso me garanto no que ensina a doutrina, os técnicos de carreira do Governo Federal e a Advocacia-Geral da União (AGU).

O primeiro ponto é de óbvio rechaço.

A mídia gosta de chamar isso, com num cínico resumo, de “pedaladas fiscais”, relacionadas ao “Plano Safra” de 2015; porém, como diria o Pe. Quevedo, isso no ecziste.

Por um motivo simples: salvo por uma nauseabunda “teoria do domínio do fato” – elevada a sacrossanto princípio pós-moderno do Direito –, não há qualquer responsabilidade da Presidente da República porque não há qualquer ato seu na operacionalização do referido Plano, como bem destacou a AGU, uma vez que tal competência é do Ministro da Fazenda e do Conselho Monetário Nacional – a acusação, pasmem, é que a Presidenta sempre conversava com o Ministro...

E, se isso não bastasse, há total atipicidade da conduta porque as medidas relacionadas ao Plano são “subvenções” e, nunca, "operações de crédito"; inclusive, no próprio âmbito do TCU, nunca houve qualquer manifestação com relação a possíveis irregularidades nas subvenções do "Plano Safra".

Ora, o Banco do Brasil não desembolsa, e nem libera, recursos para cobrir despesas do Governo Federal.

E não há "empréstimo" (mútuo) porque não há transferência de dinheiro daquele Banco para a União.

Veja-se: caso fosse seguido o tosco entendimento pretendido pelo pedido de impeachment, teríamos esta esdrúxula situação: qualquer atraso no cumprimento de uma obrigação de pagar seria igualada a um empréstimo  em outras palavras, se não pago o que te devo isso "significa" que você me emprestou o dinheiro.

Não há, pois, qualquer lógica jurídica nisso, na medida em que as coisas não "significam" simplesmente assim, como se numa mesa de bar estivéssemos. 

O segundo ponto  acerca da edição de decretos de créditos suplementares em desacordo com a lei orçamentária –, cuja complexidade deve ser mesmo assumida, confunde tudo: “gestão financeira” com “gestão orçamentária”, “autorização de despesa” com “execução de despesa”, e por aí segue.

Não sou bom com desenhos, mas vamos lá: o orçamento – um “programa” – seria a quantidade de itens (Educação, Segurança, Saúde etc) disponíveis para o Estado comprar (gastar) com seus respectivos preços (custos).

E o limite fiscal seria uma quantidade de dinheiro que o Governo pode usar para comprar o que está disponível.

E o que fizeram os decretos da Presidente Dilma? 

Eles apenas aumentaram o “limite orçamentário”, disponibilizando mais “produtos”  tudo dentro da lei , o que tornou possível comprar combinações de itens diferentes com o mesmo limite fiscal. 

E por que se permite isso?

Porque o orçamento é uma espécie de “lista de compras”.

E posso alterar isso?

Sim, para alterar as combinações de compra exige-se um “crédito suplementar” – e isso não tem nada a ver com ofender a “meta de responsabilidade fiscal”, como o pessoal da tv e dos jornalões curte dizer.

Atingir-se ou não as metas fiscais não tem qualquer pertinência com o orçamento e seus programas, mas sim, com a sua execução financeira; repita-se: o mero ato de "abertura" de um crédito, ainda que com amparo em excesso de arrecadação, não é incompatível com a obtenção da meta de resultado primário.

Portanto, o que houve no caso foi uma repentina mudança de entendimento do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre os pormenores questionados.

Salienta-se que condutas idênticas, praticadas em anos anteriores, não levou o TCU a propor a rejeição das contas da Presidência; pelo contrário, decidiu, nessas situações absolutamente idênticas, que as medidas foram corretas e regulares.

Assim como entendeu os mais de vinte (!) técnicos que responsáveis por examinar a edição dos tais “créditos suplementares” e que perfilam na cadeia de análise de atos administrativos, da qual se deriva a necessária supervisão interna desses diversos órgãos e que, atenção, envolve inclusive os órgãos que solicitam as verbas suplementares.

Logo, o enredo revela a manifesta “presunção de legitimidade” – um dos princípios reitores do Direito Administrativo – destes atos da Presidente, porquanto decididos com base em largo lastro técnico, o qual sempre se sustentou no histórico entendimento da Corte de Contas.

Entretanto, perceba-se, não se trata de responder a denúncia com o argumento enfadonho de que “Ah, sempre foi assim...”

Não! 

É, cabal e simplesmente, justificar os atos com base nas boas práticas técnicas e jurídicas que vigiam, reveladoras, inclusive, de um poder-dever da Administração de melhor trabalhar com o Orçamento (princípio da eficiência).

Depois, a lógica adotada pela Presidência para expedir os tais decretos suplementares tem base na própria Lei Orçamentária Anual de 2015, com a expressa permissão do Congresso Nacional para que, deste modo, certas ações e políticas públicas que devessem ser ampliadas – no caso isso se deu em ações relacionadas ao orçamento da Polícia Federal e às transferências constitucionais a Estados e Municípios, bem como ao Poder Judiciário  tivessem a sua "autorização" orçamentária facilitada e, assim, melhor adequar a regular prestação de serviços Públicos

E tudo isso é feito num regime de caixa, com contínuos contingenciamentos – via decretos, e nunca se contingenciou tanto quanto em 2015, pelas sucessivas quedas de receita – que devem obediência à meta fiscal em vigor e às despesas obrigatórias vigentes.

Enfim, não tem qualquer sentido, é um disparate técnico a ação que ensejou o processo de impeachment e que foi levada à frente pela circense Comissão.

Inventam e atribuem crimes genéricos, ao atropelo, sem o mínimo zelo e sem a ínima coerência com as normas vigentes. 

Afinal, a inepta acusação trata de medidas do bê-a-bá do mundo orçamentário que há milênios são praticadas – por todos os governos estaduais e municipais, gize-se –porque, simplesmente, devem assim serem praticadas.

Insista-se: a Presidente Dilma é acusada de ter cometido práticas contábeis que, até aquele momento, eram toleradas com o irrestrito apoio técnico e jurisprudencial.

Diz uníssona doutrina e jurisprudência: não é qualquer inconformidade da atuação presidencial com a lei de orçamento que justifica a caracterização de crime de responsabilidade.

Eis a chave para conter qualquer arrombo antidemocrático, no caso, questiúnculas contábil-orçamentárias sempre praticadas e admitidas em todas as esferas da Federação – é como, numa metáfora futebolística, alguém ser expulso por usar chuteiras com travas acima do limite permitido, sendo que esse novo limite permitido passou a ser cobrado naquele próprio jogo!

E por que tudo isso aconteceu agora e os fins estão a justificar os meios adotados pela oposição? 

Bem, aí que entra a questão política.

O Governo perdeu a mão, perdeu a maioria na Câmara e, com sucessivos erros de cá e boicotes de lá, tornou-se flagrantemente vulnerável. 

Tão vulnerável que, numa disputa com o ladravaz Eduardo Cunha (Presidente da Câmara de Deputados), não aceitou a sua chantagem – Cunha, lembremos, queria o apoio do PT para se safar na Comissão de Ética que até hoje o investiga –, perdeu aquela briga.

E, bingo, se chegou neste momento: Cunha aceitou o esquizofrênico pedido de impeachment e recebeu apoio de boa pare da Casa para prosseguir.


Chantagem explícita, fruto de ameaça, retaliação, em ululante desvio de poder, como inclusive assim disse um dos advogados que assinaram o pedido de impeachment (v. aqui).

O que aconteceria se não tivesse esse cenário de erros políticos e vingança?

Nada.

O pedido de impeachment seria simplesmente engavetado, como assim sempre se faz – ah, mas com Fernando Collor não se fez... sim, e aquele processo, que culminou na renúncia do Presidente, foi um erro, porque frágil em provas, como à época assim dizia o gigante Leonel Brizola (v. aqui).

Ora, insiste-se no papo de que tudo vale   seria um "vale-tudo" porque o julgamento do impeachment é “político”, e não “jurídico”. 

Mentira.

Só é “político” porque o processo e julgamento não são feitos no âmbito do Poder Judiciário, mas pelo Congresso.

De resto, é sim “jurídico” (jurídico-penal), ou seja, tem que se fundamentar no Direito, no texto constitucional e no sistema normativo pátrio para que avance e se decida a questão.

Porém, qual a base sobre a qual se sustentam os Deputados e Senadores na sanha pelo golpe para justificar esse impeachment?

Uma só: “Fi-lo porque qui-lo”, na onda dos interesses de grupelhos políticos e de grupos econômicos e na pseudolegitimidade da pressão popular que vem das ruas acoleiradas pela mídia.

E aí, mais do que “político” ou “jurídico”, o impeachment é arbitrário, autoritário e golpista.

Ora, por ser uma “bomba atômica” contra o regime presidencial, o impeachment exige o mais absoluto, direto, grave e inquestionável atentado à Constituição.

Não é, repita-se pela milésima vez, remédio miraculoso para cortar a cabeça de Presidente ruim (ou que a gente não gosta) que faz um Governo ruim (ou que a gente não gosta).

Enfim, não cabe e não é legal qualquer pedido de impeachment contra a Presidente Dilma, pois, nos termos em que se apresenta, (i) ofende o princípio da irretroatividade da lei penal, (ii) não se depreende tipicidade na conduta, por absoluta falta de lesividade, (iii) inexiste ilícito penal e, ainda, (iv) nele está desconfigurada a culpabilidade objetiva.

Não há direito, não há legitimidade, não há justiça neste impeachment.

É um golpe.