sexta-feira, 28 de novembro de 2008

# it´s the deforestation, stupid!


Já é quase unânime o parecer técnico sobre a tragédia em Santa Catarina: a falta de respeito pelo meio ambiente e pelas regras a ele pertinentes.
 
Ora, pois, as chuvas não poderiam ser evitadas: não há ninguém que consiga um email ou um telemóvel de São Pedro ou mesmo de uma autoridade indígena especializada no "reverso da dança da chuva".

Porém, os deslizamentos, que têm sido os causadores dos grandes desastres da região -- muito mais que o transbordamento do Rio Itajaí-Açu --, não poderiam ter ocorrido e a causa é clara: o excesso no desmatamento e no desrespeito às regras da natureza, a resultar na falta de cobertura vegetal nos morros e na beira dos rios, provocou os desmoronamentos -- e não precisava qualquer mensagem divina para sabermos disso.

Aqui, como alhures, é o velho embate entre "progresso" -- insustentável, num vale tudo dominado pelo capital e pela sede da possessiva e egoísta acumulação (ou desumano) -- e progresso -- este sustentável sob o ponto de vista social e ambiental (ou humano).
 
Sob a ótica ambiental, o Código Florestal (Lei 4.771), muito bem redigido e vigente desde 1965 -- e, por si só, já previa tudo o que acontece nas regiões naturais mais ricas do país (Amazônia, Mata Atlântica, Pantanal etc.) -- é diuturnamente desrespeitado, em estúpida preferência por "planos de gestão urbana", mas que não passa de falta de planejamento estatal, por não se atentar para a urgente necessidade de reverter o fluxo migratório e previlegiar-se a ruralização ou interiorização, e crime ambiental, cometido pelos agentes do caos -- ou seja, as autoridades públicas e os particulares que desrespeitam as normas vigentes e lucram com as irregularidades presentes -- p.ex., diz-me um colega que, em Blumenau, pode-se construir a 5 metros dos rios, ao invés dos 30 metros exigidos pela citada lei, à medida que tal espaço deve ser considerada "área de preservação permanente", ou seja, área que tem a função ambiental de "preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas".

Isto está a ocorrer como reflexo, talvez tardio, do grande número de ocupações “irregulares” que criam áreas de risco sem a devida (ou mínima) proteção da vegetação -- como disse uma pesquisadora catarinense em recente entrevista, "a cobertura florestal não é enfeite”.

Por fim, José Saramago muito bem resumiu essa tragédia brasileira, em seus cadernos (v. aqui):
 
"[C]ada vez que nos chega a voz de um novo descalabro da natureza aumenta a dor e a impaciência. E também a pergunta a que ninguém quer responder, embora saibamos que tem resposta: até quando viveremos, ou viverão os mais pobres, à mercê da chuva, do vento, da seca, quando sabemos que todos esses fenómenos têm solução numa organização humana da existência? Até quando olharemos para outro lado, como se o ser humano não fosse importante?