sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

# breu branco


Por que foi que cegamos,
Não sei, talvez um dia se chegue a conhecer a razão,
Queres que te diga o que penso, Diz,
Penso que não cegamos, penso que estamos cegos,
Cegos que veem, Cegos que, vendo, não veem.

(Diálogo final, entre o médico e a sua esposa)

fds
fdsfdsNão substitui e não é tão bom quanto o livro, claro.

fdsfdsMas, mesmo assim, é imperdível a adaptação cinematográfica de Fernando Meirelles da obra-prima do escritor português José Saramago, "Ensaio sobre a Cegueira" -- a qual só consegui assistir nesta madrugada, em DVD --, que cria o conceito e a fábula da "cegueira branca" para explicar a nosotros o que se passa neste mundo do pensamento único, onde o "ter" vale mais que o "ser" e onde a acumulação e o consumo privado, luxurioso, hedonista e esbanjacionista tornam-se a quinta-essência da humanidade.

fdsfdsA desenvolver uma forma de patologia moral e espiritual, os "homens" e as "mulheres" -- que na obra não têm nomes próprios -- manifestam-na, de repente, como uma espécie de cegueira, mas não porque deixam de ver para mergulhar na escuridão, mas, sim, porque produz uma estranha cegueira branca, uma luz que os cega e que, por isso, ainda que possam olhar, já nada mais conseguem ver.

fdsfdsÉ uma cegueira branca, que não é física, mas que lhes corrói a alma. É uma cegueira social, uma cegueira para a fome, para a exclusão, para a subvida a que alguns homens submetem outros como se fosse a coisa mais normal do mundo, como se a intangibilidade e a maximização da propriedade privada fosse um atributo divino e natural, e não um mito.

fdsfdsE veio a calhar o momento no qual o filme foi às telas; inclusive, na entrevista após a sua avant première, Saramago pontificou, ao ser ouvido sobre o vínculo entre o tema de seu romance e a crise financeira do capitalismo que assola o mundo rico: "Marx nunca teve tanta razão como agora, mas as piores consequências ainda não se manifestaram: sempre estamos mais ou menos cegos, sobretudo, para o fundamental".

fdsfdsE, assim, fico na esperança de pelo mundo afora haver tantas e tantas "mulheres do médico" que permitam conduzir tantos de nós por um caminho que combata a hipocrisia beata que admite como natural ou normal este sistema que privilegia meia-dúzia de abençoados.

fdsfdsQue as várias "mulheres do médico" que por aí existem, portanto, permitam-nos sempre enxergar o que é fundamental nesta vida: a igualdade, a coletividade, a solidariedade e a justiça social e econômica, em atitudes e sentimentos cristão-marxistas que nos façam definitivamente sepultar a ideia do escritor -- típica de um humanista, comunista e ateu (mas, como diz, "não tolo!") -- esposada na obra pela voz do "médico", ao dizer no final que "[é] desta massa que nós somos feitos, metade de indiferença e metade de ruindade".
fdsfds